sexta-feira, setembro 29, 2006

Uma paixão

Vou hoje recuperar a Mel e as suas aventuras. Como a acção narrada se passa no final do 1º período, a explicação freudiana é óbvia: trata-se de um acto falhado. O que eu queria mesmo era estar a terminar o 1º período.
"Sempre que penso na relatividade do tempo, acode-me à lembrança "A Persistência da Memória" de Dali. Quando tomo consciência, percebo que estou no final do 1º período, mas se olhar para trás, ainda ontem era o primeiro dia de Setembro. Tive a minha primeira aula assistida pelo formador da Universidade, que não correu bem nem mal; convidei, pela primeira vez, um aluno a sair da sala de aula (o Bruno, um aluno gordinho do 10º ano que gosta de medir forças comigo) e estou, pela primeira vez na minha vida, a decidir uma pequena parte do futuro dos meus alunos, no complicado processo que é atribuir classificações de zero a vinte. É o que eu faço neste preciso momento, sentada numa mesa redonda do polivalente, com o dossier do professor aberto à minha frente e um café ao lado. Não é usual um professor sentar-se ali, por isso, os poucos alunos que por ali circulam, olham-me com algum espanto, mas eu prefiro enfrentar os seus olhares de surpresa do que ouvir as intermináveis histórias das minhas colegas ou, então, ser pela vigésima vez, convidada a contribuir para mais uma campanha "não sei das quantas", por uma implicativa colega de Educação Física que acha que as pessoas não têm mais nada para fazer ao dinheiro. Comparo mais uma vez as classificações de dois alunos, acerca dos quais tenho dúvidas, e mantenho uma certa preocupação, temendo não estar a ser completamente justa. Mordisco a ponta do lápis, num claro sinal de indecisão, e espero que desça sobre mim alguma luz que me ilumine, mas o que subitamente sinto é precisamente uma sombra. Ergo os olhos e deparo com o Lindo, parado à minha frente. Instintivamente fecho o dossier e espero que ele se decida a dizer alguma coisa. Noto algum nervosismo estampado no seu rosto e interrogo-me sobre o motivo dele estar ali especado a olhar para mim.
- Posso falar consigo, s'tora? - resolve-se ele finalmente.
Resolvo jogar pelo seguro - Se é por causa da tua nota, é melhor esperares pela aula para conversarmos acerca desse assunto.
- Não é por causa da nota. É uma outra coisa.
Olho surpreendida para ele e penso que outro assunto é que ele pode ter para tratar comigo e que o deixa à beira de um ataque de nervos. Ele puxa uma cadeira e senta-se mesmo à minha frente, apoiando o queixo entre as mãos. De repente, uma terrível suspeita começa a apoderar-se de mim e começo a sentir-me horrivelmente desconfortável.
- O que tenho para lhe dizer é particular.
As minhas suspeitas adensam-se e recosto-me na cadeira numa tentativa de aumentar a distância entre nós.
- Certamente já reparou que eu gosto muito de si...
Resolvo interrompê-lo - Ainda bem. Gosto que os meus alunos gostem de mim.
- S'tora, eu gosto de si de uma outra maneira.
Tremo só de pensar no que se seguirá, mas não me ocorre nada de inteligente para dizer.
- S'tora, estou apaixonado por si.
Levo um susto e apesar de já estar praticamente a adivinhar o que ele ia dizer, espanta-me a audácia dele. Percebo que a bola está agora do meu lado porque depois de fazer aquela revelação, o Lindo fechou-se num silêncio pesado. Decido abordar o asunto diplomaticamente - Lindo, provavelmente estás a fazer uma grande confusão. É natural os alunos sentirem alguma admiração pelos seus professores...
Ele abana energicamente a cabeça - S'tora, isso aplica-se a miúdos do 7º ano. Eu tenho 19 anos e sei muito bem o que é estar apaixonado.
O argumento dele desarma-me mas não me posso dar por vencida - Ainda assim. Eu penso que estás a projectar em mim... - mais uma vez não consigo acabar a minha frase.
- Eu ando sempre à sua procura para ver se a vejo. Aos fins-de-semana sinto a sua falta e não paro de pensar em si, portanto, gostava que me levasse a sério.
Vejo que não tenho escapatória possível e que vou ter de falar a mesma linguagem que ele - Olha Lindo, em primeiro lugar, acho que a escola não é o local mais adequado para ter esta conversa, mas já que tomaste a iniciativa eu vou dizer-te o que penso.
Ele suspira fundo, certamente ansioso por saber o que eu vou dizer a seguir e eu prossigo implacável - Respeito o teu sentimento mas deves saber que ele não é correspondido. Gosto de ti como gosto de todos os meus alunos, mas nada mais do que isso.
Ele morde os lábios e eu sinto uma certa pena dele mas não sei que mais lhe posso dizer. Ele acaba por me poupar esse trabalho - Se eu não fosse seu aluno era possível gostar de mim?
É a minha vez de suspirar - É uma questão que não se pode colocar nesses termos.
Ele esboça um gesto de desalento com a mão - Em conclusão, não sou correspondido.
Admira-me que só agora ele tenha inferido isso, mas ainda assim resolvo reforçar a sua brilhante conclusão - Não, não és correspondido.
Durante um momento ele olha-me com aquela expressão de cachorrinho abandonado e eu volto a sentir uma certa dose de pena. Ele afasta a cadeira da mesa e levanta-se devagar - Desculpe qualquer coisa, s'tora.
Eu acompanho-o com o olhar e vejo o seu ar cabisbaixo ao abandonar o polivalente. Quando finalmente desvio os olhos, deparo com outro aluno que, do extremo do pavilhão, me fita insistentemente. É o Joka, o meu aluno surfista, e a sensação que eu tenho é que fui apanhada em falta. Pego rapidamente nas minhas coisas e saio dali em passo apressado. Não sei muito bem explicar porquê mas, de repente, sinto que o meu dia está irremediavelmente estragado."
Continuarei oportunamente (ou quando tiver tempo) as aventuras e desventuras da prof virtual.
Love and ligth!

terça-feira, setembro 26, 2006

O documento

Não é o meu género postar sobre o que me acontece no dia-a-dia. No entanto, hoje vou violar essa pequena regra. Afinal as regras existem para serem violadas. Há um ano troquei de carro. O concessionário, como é habitual, tratou da papelada necessária para que os documentos me fossem enviados para casa. Passado meio ano, estava eu a fazer uma daquelas limpezas aos papéis, extractos de multibanco, que se vão acumulando nas carteiras quando verifiquei que o título de registo de propriedade nunca me tinha sido enviado. A única coisa que eu tinha era uma guia que já estava caducada há meses. Telefonei para o stand, que lavou as mãos, dizendo que se o título nunca tinha chegado o problema não era deles mas meu. «Claro» disse eu «a vocês só interessa vender o carro, mais nada.» Resolvi ir directamente à Direcção Geral de Viação saber o que é que tinha acontecido ao meu documento. A senhora que me atendeu fez uma pesquisa no computador e descobriu que o documento tinha sido emitido, enviado e devolvido. «Devolvido porquê?» perguntei eu. «Morada incorrecta» respondeu ela. Verifiquei a morada e constatei que estava correcta. «Então, o registo foi devolvido e o que é que lhe aconteceu?» perguntei inocentemente. A senhora explicou-me que os registos devolvidos eram destruídos. «Destruídos?» exclamei eu, incrédula «Um registo é devolvido, passam-se meses, um carro foi comprado e não é de ninguém. Anda por aí...». Discussões à parte, perguntei à senhora como é que podia resolver o problema. «Bem, tem que ser pedida uma segunda via». Pedi uma segunda via e paguei 33 euros. Mais ou menos três meses volvidos, a bendita segunda via nunca me chegou a casa. Rumei novamente à DGV e atendeu-me uma senhora que estava a substituir a outra que, anteriormente, me tinha atendido. Contei a lengalenga toda, ela procurou no sistema e...surpresa! A segunda via tinha sido emitida, enviada e devolvida! Motivo: morada errada. Comecei a passar-me. A senhora carimbou-me o papel provisório por mais uns dias e disse para eu lá voltar para a semana quando a colega dela já estivesse ao serviço. Fui para casa, pensei no assunto e resolvi acautelar-me. Fui à Junta de Freguesia e pedi um comprovativo de morada (queria munir-me com um documento que provasse inequivocamente que aquela era, de facto, a morada correcta). Armada com o documento, voltei, passados uns dias, à DGV. Ia a começar a desfiar o rosário, mas a senhora interrompeu-me dizendo que já sabia do que se tratava. O meu caso não era único. Na transição do título de registo de propriedade para o Documento Único, muitos houve que nunca chegaram ao destino. Assim, a Imprensa Nacional Casa da Moeda resolveu enviar os ditos documentos directamente para o serviço dos Registos e do Notariado. A senhora disse que ia fazer o pedido e que daí a dez dias eu podia ir lá buscar o documento. Ora, o meu post de hoje tem precisamente a ver com esta última etapa (claro que eu tinha que contar a história toda para vocês perceberem). Hoje, dirijo-me ao Registo Comercial e espero pela minha vez de ser atendida. Confesso que não estava há muito tempo à espera quando chegou a minha vez. Dirijo-me à funcionária que me diz «a senhora pode-se "assentar"». Fico logo bem-disposta! "Assento-me" e digo ao que venho. Entretanto, pelo meio, uma outra funcionária abeira-se dela, questionando-a sobre um registo de um carro, uma confusão, uns PH, uns PAA ou o diabo a sete e ela, confusa, tropeçando nas suas próprias palavras, tenta explicar à outra o que tinha feito. Enquanto isso, eu espero. A colega vai-se embora e ela lembra-se que eu existo «"atão", vamos lá a ver». Depois de eu explicar o que venho buscar, atira-me ela, de olhos esbugalhados «ai, mas isso "num" vem p'rá "qui"; isso vai p'ra casa». Tento explicar e a criatura insiste que ali não há documentos nenhuns. Acabo por lhe dizer, peremptóriamente, que a colega que está na DGV me afirmou que os documentos seriam enviados para aquele serviço. Ela lá se levanta, com uma camisola muito mal amanhada, e diz que vai ver. Eu espero. Volta, passados uns longos minutos, com um cheque na mão e "assenta-se". Eu, na minha louca ingenuidade, convenço-me que me vão reembolsar os 33 euros. «Fui ver aos pendentes e "num" está lá nada», diz. Percebo, desiludida, que o cheque não é para mim e fico à espera que ela diga mais alguma coisa. A criatura enfia o cheque dentro de um envelope, preenche um impresso e eu à espera. Numa atitude masoquista, resolvo ver até onde vai a incompetência dela. Continuo à espera e, entretanto, abeira-se um daqueles chicos-espertos que "quer só perguntar uma coisa". Para meu espanto ela começa a atender o chico-esperto e volta a esquecer-se de mim. Penso que já é demais e, sem meias-medidas, pergunto-lhe bem alto «Quando é que pensa resolver o meu problema?». «Eu disse p'ra esperar um bocadinho». Ainda por cima mentirosa! «A senhora disse-me que não estava nada nos pendentes; não me disse para esperar um bocadinho!». Um senhor ao lado «É uma vergonha! Põe-se a atender os outros e nós à espera!» Ela, enfiada, desaparece pelo meio das secretárias, porém, consigo vislumbrá-la a falar com outra funcionária. Essa funcionária vem ter comigo, eu explico-lhe do que se trata, ela dá meia-volta e daí a dois minutos volta com a pasta dos "Pendentes" na mão e o meu almejado documento. Nisto tudo, terei perdido à volta de três quartos de hora.
Moral da história: não costumo criticar ou ser desagradável gratuitamente. A funcionária do "assentar" é, do meu ponto de vista, inadequada para estar num serviço de atendimento público, senão vejamos: 1) fala mal; 2) veste-se mal (penso que quem lida com o público deve ter algum cuidado com o vestuário. Eu também não vou dar aulas vestida de qualquer maneira); 3) não sabe fazer o seu serviço, ou seja, é incompetente. Mais tarde, pensei «Coitada, se calhar estava num dia menos bom», mas há pouco, ao falar com alguém sobre o sucedido, soube que ela é sempre assim. Parece que quem é atendido por ela tem sempre grandes problemas. As ilações, tire-as quem quiser. Não bastava o festival do documento perdido algures entre a INCM e a minha casa e para terminar ainda tive que gramar o pastel. Irra, que mais vale não trocar de carro!
Desculpem a seca!
Love and light!

domingo, setembro 24, 2006

Frida Kahlo

Ando sem tempo para escrever, ocupada a estudar cromossomas, genes, nucleótidos, cariótipos e outros conceitos interessantes. Assim, partilho convosco uma obra de uma das minhas pintoras preferidas - Frida Kahlo. Para quem não conhece, Frida foi uma pintora mexicana, casada com Diego Rivera. Foi uma mulher que lutou durante grande parte da sua vida contra a dor, mas que viveu com uma tenacidade e uma ousadia invejáveis. Foi uma revolucionária a nível artístico, político e sexual. Por isso é que eu gosto dela. Assim, sem mais.
Fiquem bem!
Love and ligth!

quarta-feira, setembro 20, 2006

Uma regência

Num momento em que o cansaço, o desalento e a revolta têm sido os meus companheiros diários, apetece-me voltar a vestir a pele da Mel e julgar que ainda sou uma estagiária inconsciente com múltiplas possibilidades à minha frente.
"A minha primeira regência correu relativamente bem e a Fernanda elogiou a minha capacidade comunicativa. No entanto, a aula que a Maria José tinha dado uns dias antes foi muito melhor do que a minha, fundamentalmente, porque a Maria José, à custa de muito esforço e dedicação, consegue imaginar estratégias diversificadas para apresentar a matéria, o que acaba por dinamizar a aula. Eu acho que o único ponto fraco dela é o timbre da sua voz que é fininho e irritante. Colocando de parte esse pormenor, considero que ela vai dar uma excelente professora. A mesma observação não posso fazer relativamente à Teresa, que está claramente em pânico, no meio da sala, incapaz de manter a ordem com as suas admoestações em tom maternal e enrolando-se no seu próprio discurso confuso. Eu, a Luísa e a Maria José trocamos olhares entre nós e observamos a Fernanda que, tal como nós, se encontra sentada no fundo da sala e escreve sem parar no seu caderninho de notas, de capa dura, que nós já conhecemos muito bem. Começo a sentir aquela sensação familiar de embaraço por solidariedade e concluo que não vale a pena apontar nada porque a prestação da Teresa está a ser uma absoluta desgraça. Na carteira ao lado, um aluno tamborila com o lápis na mesa e o ruído começa a irritar-me. Deito-lhe um olhar gelado e, em troca, ele pisca-me o olho. Não sei se devo ficar indignada mas, inevitavelmente, acaba por me assomar um sorriso aos lábios que é prontamente imitado pelo aluno em questão. Volto a olhar para a frente mas passados breves instantes, volto a deitar-lhe uma olhadela dissimulada. Ele tem o cabelo comprido e encaracolado, olhos negros e roupas largas e escuras. A turma é de Artes e eu penso logo que ele tem um verdadeiro estilo de artista. Finalmente o tormento da Teresa chega ao fim e todas nós suspiramos de alívio. O aluno-artista lança-me um sorriso e despede-se com um «tchau, aí!» ao qual eu correspondo, bem-educada, com um «adeus». Acodem-me à lembrança as palavras cautelosas da minha mãe, sempre preocupada com tudo. «Vê lá filha, não dês muita confiança aos alunos; olha que eles têm que te respeitar». Faço uma rápida retrospectiva, tentando avaliar se tenho dado, nas próprias palavras da minha mãe, muita confiança aos alunos. Por vezes, digo coisas das quais depois me arrependo, mas essa forma de agir tem a ver com a minha impulsividade. A ponderação não é uma das minhas virtudes. A Fernanda lembra-nos que temos de reunir para fazer a apreciação da aula da Teresa e juntas dirigimo-nos para a sala que funciona como gabinete do grupo de Filosofia. No seu jeito calmo, a Fernanda começa a tecer algumas considerações acerca da aula e, de um a forma objectiva, aponta-lhe os aspectos onde ela falhou. A Teresa acena afirmativamente com a cabeça, consciente de que as críticas são justas e adianta, como explicação para o que se passou, o nervosismo que a assaltou por saber que estava a ser observada e avaliada. A Fernanda pede a nossa opinião e nós, a contra gosto, porque é sempre complicado falar de alguém que está nas mesmas circunstâncias, acabamos por corroborar as ideias gerais dela. A Teresa está visivelmente cabisbaixa e nós consolamo-la, dizendo que a próxima correrá certamente melhor. A Fernanda termina a reunião, relembrando-nos da importância de termos o nosso dossier de estágio perfeitamente em ordem porque no final do mês teremos a primeira visita do formador da universidade que virá para assistir às nossas aulas. Uma onda de pânico invade-nos e eu sinto aquele típico ardor no estômago. Despedimo-nos umas das outras e eu encaminho-me para a sala de professores para navegar um pouco na net. Resolvo visitar pela quinquagésima vez o site do carro que eu quero, ou melhor, do carro que posso ter, oferta dos meus pais. Os pais são engraçados: dizem-nos que podemos escolher um carro, mas depois impõem uma série de restrições e nós acabamos por escolher não aquilo que queremos, mas aquilo que eles subtilmente sugerem. Penso, com pena, que vou mesmo ter que dizer adeus ao carro dos meus sonhos e ficar com a realidade, bem menos atractiva mas muito mais baratinha."
Agora já estou melhor. Fiquem bem!
Love and light!

sábado, setembro 16, 2006

Informação

Serve o presente post para informar os interessados que escrevi um texto intitulado "A escola" que foi publicado n'Condado. Para quem quiser ler, por favor, aceda através dos meus links (está lá O Condado). Infelizmente, ainda não sei inserir directamente o link no texto.

A música

Hoje de manhã, enquanto ia de carro, deu uma música que eu não ouvia há muito tempo. Não sei o nome da música; é uma daquelas músicas do género “house music”, produzidas por D.Js, com um batuque constante. Essa música trouxe-me à memória o início dos anos noventa e a paranóia das “raves”. Uma das primeiras “raves” em Portugal, aconteceu em Coimbra. Não estive presente nessa mas fui, logo a seguir, a uma que se realizou no castelo de Montemor-o-Velho chamada “Medieval Groove”. Essa noite foi um acontecimento para as gentes da vila de Montemor; concentraram-se nas imediações do castelo a admirar aquela estranha turba que vinha de vários pontos do país para dançar a noite inteira. Escusado será dizer que fiquei fã das “raves”. Fascinou-me o aspecto das pessoas que encontrei: as roupas originais, os piercings, as tatuagens, os penteados, os acessórios… Nessa noite, dancei até o sol nascer e de manhã, com a maquilhagem esborratada sob a luz crua do sol, fiquei genuinamente triste por a festa ter terminado.
Nos anos que se seguiram tornei-me uma frequentadora assídua: usava roupas estranhas, conhecia os nomes dos D.Js mais importantes (um ou outro chegou-me a ser apresentado), na Páscoa ia a todas as festas que normalmente tinham lugar no Algarve e dançava a noite inteira (sem nenhuma ajuda química; não às drogas em toda e qualquer circunstância. Nunca mais me esqueci de uma vez estar cansada e com dores nos pés e de o ter dito a uma conhecida minha que também era frequentadora de “raves”. Ela virou-se para mim disse – Tenho aqui uns comprimidos para as dores dos pés. Eu, ingénua, achei mesmo que ela me ia dar uns comprimidos para as dores. Só depois de ver o ar cúmplice dela é que percebi de que tipo de comprimidos estava ela a falar). Quando estava em casa dos meus pais e queria ir a uma dessas festas despedia-me, invariavelmente, da minha mãe com um «espera-me para o pequeno-almoço». Vezes houve, em que tive que telefonar para casa e reformular: «afinal só vou almoçar». Entretanto, no espaço de dois ou três anos deixei de achar piada às “raves”. Qualquer armazém servia para elas acontecerem, os frequentadores já não eram aqueles que inicialmente me tinham deslumbrado, mas sim um bando de putos de jeans (eu é que estava a envelhecer e não percebia…) e os meus ouvidos, martirizados por horas e horas seguidas de “tum, tum, tum” já não aguentavam noites inteiras de decibéis levados ao extremo. Hoje em dia, doem-me terrivelmente se eu for para o meio da pista de uma discoteca.
A música que hoje despoletou esta reminiscência fez-me sentir uma certa saudade desse tempo. Se tivesse ouvido Cure, Depeche Mode ou Sisters of Mercy teria sentido saudades da adolescência e dos primeiros anos de faculdade; se fosse Nirvana, levar-me-ia para um outro passado, mais introspectivo; Incubus transportar-me-ia para uma realidade mais recente. Eu sou daquelas pessoas que considera que os diferentes episódios da nossa vida deviam ser sempre acompanhados por uma banda sonora. É a música que vivifica as nossas memórias, que lhes dá forma e as torna presentes; é a música que nos ajuda a idealizar, a acalentar esperança, a desejar que os nossos sonhos se tornem realidades. Hoje a música transportou-me para uma realidade que me parecia tão distante, mas que ficou, repentinamente, tão perto e que me fez, saudosamente, recordar as noites em que, de braços erguidos para o céu, parecíamos esperar por uma bênção de um qualquer deus.
Love and light!

segunda-feira, setembro 11, 2006

11 de Setembro

Faz hoje cinco anos que a tragédia aconteceu. Eu, tal como muitas pessoas, nunca mais vou esquecer aquele dia que ficou marcado pelas piores razões possíveis. Há cinco anos atrás estava eu a almoçar em casa de uma amiga, completamente alheada à desgraça que se abatia sobre um outro país. Foi através de um telefonema que soubemos o que estava a acontecer. Corremos para a televisão a tempo de ver ainda o segundo avião a embater contra uma das torres do WTC. O José Rodrigues dos Santos estava com um ar completamente desnorteado e nós não abandonámos mais a televisão, ansiosas por tentar perceber o que se estava a passar. Os dias seguintes pertencem à história. Nesse ano, quando as aulas começaram, os alunos pareciam mais interessados em falar de Bin Laden do que em tentar perceber aquela imensa tragédia humana.
De facto, para muitos Bin Laden tornou-se num herói e num mentor. Não posso esquecer as imagens de alguns muçulmanos a festejar aquele golpe infligido, particularmente, aos EUA mas também a toda a humanidade. Não sei muito bem de onde provém o ódio profundo que muitos muçulmanos nutrem contra o Ocidente, aliás não entendo esta clivagem entre Oriente e Ocidente. Obviamente que são duas culturas com raízes históricas e religiosas diversas, mas parece que em determinado momento a diferença se transformou em ódio. Também não quero com isto afirmar que todos os muçulmanos são maus; não partilho da visão maniqueísta que muitos parecem querer fazer passar. Veja-se o exemplo dos filmes americanos onde o arábe é quase sempre mau (atenção, arábe e não muçulmano; nem todos os arábes são muçulmanos e nem todos os muçulmanos são necessariamente maus). Atente-se igualmente a alguma comunicação social que, muitas vezes, passa informações sobre o Islão que não são correctas, aumentando, porventura, a incompreensão face àquela religião. O exemplo mais flagrante é o termo «jiad» que é sistematicamente traduzido por «guerra santa» quando, na realidade, o termo quer dizer «esforço feito sobre si próprio para se tornar melhor». No entanto, também é verdade que alguns líderes islâmicos radicais adulteram a seu bel-prazer o que está escrito no Corão, para conseguirem os seus intentos. O obrigação do uso de véu por parte das mulheres muçulmanas é outra fabricação; em nenhuma parte do Corão é afirmada a obrigatoriedade do uso do véu; trata-se apenas de uma recomendação. Se fosse uma obrigação teria necessariamente que estar associada uma punição e tal não se verifica. Este hiato existente entre Oriente e Ocidente não me parece ser alimentado apenas por uma facção. Não é com constantes provocações e com políticas imperialistas que se pode resolver o problema. Na minha modesta opinião, os EUA e, em especial, este presidente, muito têm contribuído para adensar o fosso existente. Mas não vou entrar em assuntos acerca dos quais pouco percebo; deixo isso para os especialistas na matéria que, por sinal, até são muitos. Este post serve apenas para homenagear as vítimas do onze de Setembro.
Love and light para todos os que pereceram!

sexta-feira, setembro 08, 2006

Um aluno especial (conclusão)

Finalmente, vou concluir o post que comecei há uns dias atrás. Tinha ficado na parte em que o aluno entra na sala e se senta.
"Ele faz um gesto de assentimento com a cabeça e agradece - Obrigada, professora.
Dito o sumário e dou início à aula começando pela correcção do trabalho de casa. A Isabel, uma aluna extremamente bonita, dona de uns cristalinos olhos azuis, põe o dedo no ar - S'tora, eu li o texto em casa mas não consegui perceber muito bem a distinção entre a validade formal e material de um raciocínio.
- Muito bem, vamos lá ver isso - Durante meia-hora volto a explicar a diferença entre a forma e a matéria de um raciocínio e no final passo uma série de exercícios no quadro - O que eu quero que vocês façam é o seguinte: têm de avaliar estes raciocínios do ponto de vista formal e do ponto de vista material e justificar. Alguma dúvida?
Alguns alunos abanam negativamente a cabeça e começam a copiar do quadro os exercícios.
- Quinze minutos para a realização da tarefa - informo. Enquanto os alunos se afadigam na resolução dos exercícios , eu aproveito para observar melhor o novo aluno: o que mais se destaca nele é o cabelo louro - quase branco- que lhe cai em madeixas sobre os olhos e contrasta fortemente com a tez bronzeada. Ele está reclinado sobre o caderno e quando levanta a cabeça para copiar os exercícios do quadro, olha por entre os fios de cabelo, fazendo um trejeito para o lado. Um dos pulsos está adornado por várias pulseiras, feitas de missangas coloridas, e no outro destaca-se um grande relógio. Continuo a minha observação fascinada pelo estilo dele: as sapatilhas são da mesma cor da tee-shirt laranja, de uma marca de surf, e as calças apresentam uma profusão de bolsos. Ele volta a levantar a cabeça mas, desta vez, olha na minha direcção. Não sei se está a olhar directamente para mim porque não lhe consigo vislumbrar os olhos, mas por causa das dúvidas resolvo desviar a trajectória do meu olhar. O resto da aula, entre a correcção das tarefas e a continuação da matéria, passa num ápice. O toque estridente da campainha assinala o seu final e eu reúno rapidamente as minhas coisas, desejosa de tomar um café e ir para casa. Atravesso o átrio e dirijo-me directamente para o polivalente que é o local onde funciona o bar, tanto para alunos como para professores o que significa que há sempre uma grande confusão e barulheira, condimentada pela música da rádio da escola. Cruzo-me com alguns alunos do 10º ano que me lançam um sorriso e espero pacientemente pela minha vez de ser atendida. O grupo de alunos que está à minha frente é finalmente atendido e eu desvio-me para o lado para lhes dar passagem. Quando faço o movimento para me recolocar na fila alguém choca comigo. Preparo-me para deitar um olhar mal-humorado ao autor do empurrão mas ouço uma voz a dizer - Desculpe, professora.
Deparo com o meu aluno surfista parado mais ou menos ao meu lado. Ele afasta o cabelo dos olhos e vejo que são escuros, quase pretos. Quase podia jurar que ele tinha olhos azuis mas afinal nem todos os surfistas são louros, de olhos azuis. É bem mais alto do que eu e eu preciso de erguer ligeiramente a cabeça para falar com ele.
- Não a magoei, pois não?
Percebo que passou algum tempo entre o encontrão e a pergunta e que devo estar a fazer figura de parva, especada a olhar para ele - Não, não - respondo finalmente. Peço o meu café à funcionária de ar pouco simpático e encosto-me para o lado para lhe dar lugar. Ele pede um snack e após ser atendido atira-me um «até amanhã, professora». Devolvo-lhe a frase e começo a achar piada à sua boa-educação. Distraída com estes pensamentos, escaldo-me na chávena e interiormente solto um palavrão. Mexo e remexo o café, à espera que arrefeça, e enquanto isso o meu aluno volta a entrar no meu campo de visão. Está acompanhado por uma teenager de sedosos cabelos castanhos, alta e esguia. Ele passa-lhe um braço por cima dos ombros e eu percebo que será, certamente, a sua namorada. Fazem um casal bonito e eu penso que podiam fazer um daqueles anúncios, sempre repletos de jovens atraentes e cheios de estilo. Bebo, finalmente, o café e antecipo, com prazer, a imagem da minha cama aconchegante e do fim-de-semana que se avizinha. Decido mentalmente que nem que as minhas amigas me venham convidar para uma festa em Marte eu acederei a ir com elas. Irei passar os dois dias a dormir e a trabalhar para o estágio e cheia de convicção penso que é mesmo isso que tenho a fazer, até porque se aproximam as primeiras regências e eu vou ter mesmo que mostrar trabalho se não quiser ser a ovelha negra do estágio."
Em breve voltarei às aventuras da Mel . Fiquem bem!
Love and light!

quinta-feira, setembro 07, 2006

Resposta a todos aqueles que comentaram o meu último post

Fiquei agradavelmente surpreendida quando, depois de um dia de ausência, verifiquei que o meu último post suscitou uma discussão tão acalorada. Infelizmente, ainda há muitas pessoas que têm uma falsa ideia do que é ser professor porque, em boa verdade, ser um professor responsável é uma tarefa muito complicada. Destaco a expressão «professor responsável» porque é exactamente aí que reside, na minha opinião, toda a questão. Para aqueles que não preparam aulas, que demoram um mês a entregar os testes aos alunos, que faltam quando lhes dói a unha do pé e que chegam às reuniões de avaliação e ali, quase de improviso, avaliam um aluno, para esses a vida de professor é ouro sobre azul. Aqueles que são professores sabem do que eu falo e aqueles que não o são é importante que o fiquem a saber porque, infelizmente, também há na nossa classe péssimos profissionais, tal como existem noutras profissões. Agora para quem entende que ser professor é uma tarefa que implica uma enorme responsabilidade, o trabalho é árduo. Sim, temos férias de Natal, de Páscoa que, em muitos casos, servem para planificar atempadamente as actividades para o próximo período; servem também para lermos, pesquisarmos para que possamos transmitir o melhor que nos é possível conhecimentos aos nossos alunos. Só assim é que eu concebo o que é ser professor. Acreditem ou não (de todos vocês a única pessoa que me conhece pessoalmente é a minha amiga Arte Minorca e, portanto, ela é o meu garante de verdade) todos os anos eu planifico de novo aquilo que vou leccionar. Podia não o fazer; os conteúdos do programa curricular são mais ou menos os mesmos há alguns anos. Mas todos os anos eu aprendo mais um pouco, todos os anos eu evoluo mais um bocadinho e é minha obrigação usar isso em prol dos meus alunos. É que um bocadinho do futuro deles também está nas minhas mãos. Mas tudo isto dá muito trabalho; não aparece feito do nada. Às vezes, demoro mais de uma hora só para encontrar um texto certo que quero dar aos alunos. Como dizia a Arte Minorca, também eu não me importo de passar oito horas na escola, se me oferecerem condições para que eu possa desenvolver trabalho a favor dos alunos. Mas a realidade é outra: salas de professores atulhadas sem sítio onde possamos calmamente, por exemplo, corrigir testes; gabinetes de trabalho inexistentes; escolas sem aquecimento onde no Inverno os pés nos gelam (quando se está a dar aulas a 50Km de casa, o que para um professor até é perto, ninguém vai a casa a meio do dia; ficamos na escola das oito e meia da manhã às seis e meia da tarde e se tiver que ser completamente gelados). Também não é fácil para quem está deslocado da família, não só pelos evidentes aspectos afectivos mas igualmente pelas questões económicas. Qualquer quadro de uma empresa ganha muito mais do que um professor e não tem que gastar balúrdios em gasolina nem que sustentar duas casas. Enfim, mas isso já toda a gente sabe. A profissão de professor é muito desgastante a todos os níveis. Não é fácil enfrentar turmas de 30 alunos, tentar fazer cumprir regras, transmitir-lhes alguns valores e, se possível, ensinar-lhes alguma coisa. Às vezes, o panorama é tão mau que nós já ficamos felizes se, pelo menos, lhes conseguimos transmitir alguns valores e princípios fundamentais (atenção, estou a falar da minha disciplina).
Arte Minorca e 22, palavras para quê? Vocês sabem exactamente do que estou a falar. 22, por acaso, não darás aulas na tua cidade?...
Lois, vou bater-te mas só um bocadinho. Se calhar, os exemplos que tens não são os mais felizes. Como eu disse, para muitos, ser professor é sinónimo de fazer muito pouco. Também tu sabes o que é o trabalho de casa por isso consegues colocar-te na nossa pele. Podes sempre expressar as tuas opiniões no meu espaço. Gosto da tua irreverência!
Xica, é bem verdade que quando saímos da faculdade somos atirados às feras. O que lá nos ensinam tem muito pouco a ver com a realidade. Infelizmente, os nossos cursos ainda são muito académicos .
Taizinha, obrigada pela tua informação. Aparece sempre que quiseres porque serás muito bem vinda.
Conde, infelizmente quando o motor gripa o carro não pode andar. Desculpa o vulgar linguajar. Uma vénia.
Queria agradecer a todos que comentam os meus posts e dizer que acho que os blogs também servem para isto: uma troca profícua de ideias. Quero acrescentar que, doravante, responderei pessoalmente a cada um de vós no "comment". O post "Um aluno especial" continuará amanhã... talvez...
Love and light!

domingo, setembro 03, 2006

Um aluno especial

Em vésperas de começar um novo ano lectivo, as recordações voltam a invadir-me. O meu ano de estágio volta à ribalta e depois de ler alguns posts de outras professoras apeteceu-me retomar as aventuras da Mel. Quem costuma ler os meus posts já sabe que a versão é ligeiramente romanceada. Gostaria também de acrescentar que as minhas opiniões sobre o mundo do ensino foram mudando ao longo dos tempos. Encontrei escolas com óptimo ambiente e pessoas espectaculares.
"Ao fim de uma ou duas semanas de aulas percebi que a escola é um mundinho à parte que não tem absolutamente nada a ver com a minha realidade. Alguns dos meus colegas de profissão são pouco amistosos e alguns chegam a ser mal-educados, pelo menos, de acordo com as minhas regras básicas de boa convivência. Não me parece uma atitude propriamente cortês não corresponder a um bom-dia. Para além disso, foi com decepção que reparei que as conversas na sala de professores se resumem ou à vida escolar ou então aos maridos e filhos. Os outros grupos de estágio comportam-se como um rebanho obediente e também com eles não é fácil chegar à fala. Restam-me as minhas próprias colegas de estágio, mas curiosamente o meu horário não é coincidente com o delas e raramente nos cruzamos, a não ser quando temos efectivamente de reunir. Foi por ter feito esta constatação que resolvi começar a trazer o meu leitor de mp3 para matar os tempos livres que medeiam entre as aulas que tenho que dar, porque a realidade é que apesar de só ter duas turmas, há dias em que tenho que esperar pelo período da tarde para dar a aula seguinte. A primeira vez que me sentei no sofá e coloquei os headphones nos ouvidos, detectei meia-dúzia de olhares a fitarem-me com uma expressão surpreendida. Apeteceu-me imediatamente dizer-lhes que era mil vezes melhor ouvir Nirvana do que ser bombardeada com conversas de tupperware. Fecho os olhos, concentrando-me na música e tentando abstrair-me de tudo o que me rodeia, deixando o meu pensamento vaguear. Passados uns momentos abro os olhos e deito uma olhadela em redor, como para verificar se alguém me está a ler a mente. Noto que um colega me observa mal disfarçadamente e percebo que já não é a primeira vez que isso acontece. Não faço a mínima ideia de qual seja o nome dele, nem qual a disciplina que lecciona, mas também não estou muito interessada nesses pormenores. Torno a cerrar os olhos e delicio-me com a música. Como oportunamente referiu a minha amiga Maria «a vida sem música é como umas cuecas sem elástico». Na sua simplicidade, que é um apanágio próprio dela, a Maria acaba sempre por dizer grandes verdades. Imersa na música, o tempo acaba por passar rapidamente e preparo-me para a última aula do dia. Ao fim de meia-dúzia de aulas com as minhas turmas, o nervosismo inicial desapareceu completamente dando lugar a uma absoluta tranquilidade e é com naturalidade que atravesso o recreio, abrindo caminho entre bandos de miúdos barulhentos do 7º ou 8º ano. A minha turma do 11º ano espera-me junto à porta da sala e mentalmente esboço um sorriso. Como na última aula marquei três ou quatro faltas por atraso, hoje tenho uma comitiva de recepção. De facto, nada como passar à acção, ao invés de ameaçar eternamente e nada fazer. Alguns cumprimentam-me com um «olá s'tora» e o Lindo prontamente vem oferecer-me a sua ajuda para abrir a porta da sala. Respondo-lhe amavelmente que não precisa de se incomodar porque eu sou perfeitamente capaz de abrir uma simples porta. Deixo os alunos entrar antes de mim e depois de todos estarem dentro da sala fecho a porta. Foi uma estratégia que comecei a pôr em acção logo depois da terceira ou quarta aula, quando percebi que muitos deles ficavam na conversa à porta da sala e iam entrando aos poucos o que tinha como consequência eu não conseguir começar a aula enquanto todos não estivessem dentro da sala. Ainda não consegui acabar com a barafunda inicial, mas já aprendi a aproveitar para escrever o sumário enquanto eles tiram e não tiram os cadernos e depois é só ditá-lo quando eles já tiverem sossegado. É o que me preparo para fazer quando ouço um «posso professora?». Levanto os olhos em direcção à porta e deparo com um aluno, numa atitude expectante, com os livros debaixo do braço e um leve sorriso desenhado no rosto bronzeado. Os outros alunos começam imediatamente numa gritaria do tipo «Ei Joka! Tudo bem?». Imponho o silêncio e o Fernando sempre solícito informa - É o Joka, s'tora. O nosso colega que estava no Havai - De repente, lembro-me de efectivamente estar um dia destes a marcar falta ao aluno e os outros me terem dito que ele estava a participar num campeonato de surf no Havai. Na altura, achei que devia ser treta , mas agora, olhando para o aluno em questão começo a achar que devia ser mesmo verdade. Reparo que ele continua no umbral da porta à espera e rapidamente convido-o a entrar e a sentar-se num dos lugares que estão livres. Ele senta-se ao pé de uma miúda morena, de cabelo curtinho todo espetado, que faz um ar derretido e recebe olhares de inveja dos outros elementos femininos da turma.
- Como é mesmo o teu nome? - pergunto.
-Miguel, professora, mas todos me chamam Joka. Se a professora não vir inconveniente também gostaria que me tratasse assim.
Antes de eu poder dizer alguma coisa, o Fernando adianta-se - A s'tora não vê nenhum inconveniente, Joka, porque ela chama-se... - hesita, deita um olhar em redor e continua - Ainda não sabemos, mas todos lhe chamam Mel.
Atiro-lhe um olhar quase mortal e ele imediatamente diz - Desculpe, s'tora.
O aluno em questão sorri, de uma forma que eu interpreto como sendo delicada e eu resolvo dar início à aula - Muito bem Joka. Actualiza-te relativamente à matéria e qualquer dúvida que tenhas estou à disposição."
As aventuras da Mel continuam mais logo. Acho que vou dormir um bocadinho.
Love and light!

sábado, setembro 02, 2006

A FIFA e o governo

Nos últimos dias o assunto que tem agitado páginas de jornais e aberturas de blocos noticiosos é o chamado "caso Mateus". Como gosto de futebol tenho tentado prestar atenção às notícias acerca deste assunto. Ontem vi a entrevista que o António Fiúza deu na RTP e sinceramente não sei se fiquei mais esclarecida ou mais baralhada. Independentemente de todos os meandros menos claros que o caso parece ter o que me preocupa aqui são fundamentalmente duas coisas: em primeiro lugar, o despotismo da FIFA que se julga acima de tudo e de todos e que acha que as matérias que concernem ao futebol se devem regular por leis próprias e que os tribunais comuns (coitados!) não têm competência para julgar estes assuntos. Em segundo lugar, a atitude do nosso governo que também se coloca numa esfera superior à legal e que decide declarar o interesse público, para que o campeonato continue (com o Gil Vicente na Liga de Honra, entenda-se), indo contra uma determinação do tribunal. Isto faz-me lembrar a famigerada greve dos professores do ano passado, quando o governo também decidiu decretar uma requisição civil violando o direito à greve dos docentes. Aliás, tivemos uma ministra a dizer que o tribunal que deu razão aos docentes não era competente (acho que foi um tribunal da Madeira, mas já não tenho a certeza). E foi também este governo que retirou direitos adquiridos ao longo de muitos anos aos professores. Gostava que ficasse bem claro que se falo assim não é por ser da oposição; não tenho nenhuma simpatia partidária mas tenho antipatias pessoais e, de facto, Sócrates, de bom, só tem o nome e ainda assim não lhe faz jus. Peço desculpa, mas é apenas a minha humilde opinião. O que me parece antever neste governo é uma tendência para o despotismo, tal como a FIFA, e num estado de direito não me parece legítimo exercer arbitrariamente o poder, aliás, não me parece legítimo em circunstância alguma. Voltando ao "caso Mateus" (o Mateus nunca sonhou ter tanta publicidade; pode ser que o seu passe valorize!), parece que a batata quente está agora nas mãos do Gil Vicente que pode passar à história por várias razões: ficar conhecido como o responsável por Portugal ser suspenso das competições europeias (não sei se será ele o verdadeiro responsável, caso isso venha, de facto, a verificar-se); ficar conhecido pelo clube que fez frente à FIFA; ficar conhecido pelo clube mais azarado do mundo (há dez anos o Gil Vicente viu goradas as suas hipóteses de subir à então Primeira Divisão ao ver o jogo interrompido a dezassete minutos do fim- faltou a luz- dezassete minutos esses que nunca chegaram a ser jogados. Relembro que nessa altura o jogo estava empatado e que bastaria uma vitória para o Gil subir de divisão. Nesse mesmo ano aconteceu o mesmo ao Sporting no jogo contra o Chaves a três minutos do fim e passados três dias o Sporting teve que se deslocar a Chaves para concluir o jogo!). Depois disto, só me apraz perguntar o seguinte: mas a justiça não é a mesma para todos? A senhora até é cega e tudo!
Love and light!

sexta-feira, setembro 01, 2006

Ainda havia sol

Hoje comecei a dar uma volta às minhas papeladas porque como estamos no primeiro dia de Setembro, convém começar a organizar o escritório. Comecei a folhear um daqueles cadernos de registos do professor (quem é prof sabe exactamente do que estou a falar) antigo e encontrei um trecho de um livro que eu adoro, escrevinhado numa das páginas do caderno. É que eu sou como os putos: adoro escrever coisas que leio, que ouço ou que invento nesses ditos caderninhos e guardo-os ano após ano. De quando em quando, pego neles para recordar as carinhas dos meus alunos ou então para descobrir pequenos textos dos quais já não me lembrava. Aqui ficam as palavras.
"Partiste ontem -só. Ou há uma eternidade -já?
Mas a tua presença permanece em mim. Obsessiva. Acutilantemente dolorosa.
Decorre da tua ausência. Da viagem pela lembrança. Da memória das coisas compartilhadas. Do eco das palavras, que de ti em mim retive. Da falta das que te disse e levaste.
Permaneces no que deixaste. Ficaste, porque partiste.
A tua dimensão manter-se-á exacta, na medida justa em que não voltares."
in Ainda Havia Sol, Guilherme de Melo
Infelizmente, não tenho nenhum livro do Guilherme de Melo porque nunca os encontrei à venda. Uma amiga emprestou-me umas edições antigas publicadas pelo Círculo de Leitores, se não estou enganada. Se alguém os encontrar, por acaso, à venda, agradecia que me informasse.
Fiquem bem!
Love and light!