quarta-feira, agosto 02, 2006

No início...foi a escola

As férias são, muitas vezes, uma oportunidade para relembrarmos episódios da nossa vida. Penso que isso acontece porque é uma altura em que há mais disponibilidade de espírito para recordações, sonhos e devaneios. Lembro-me da primeira vez que entrei numa escola no papel de professora. Aqui ficam aquelas que foram as minhas primeiras impressões ainda que numa versão romanceada.
"Um de Setembro. Entro hesitante, procurando passar despercebida. Olho de fugida para os edifícios que parecem caixotes não só pelo seu formato, mas também pela sua aparência degradada, com a tinta a estalar e rabiscos que tentam desesperadamente parecer-se com grafittis. Tento orientar-me, procurando os serviços administrativos e caminho de uma forma mais resoluta em direcção à seta vermelha com a informação. Abro uma porta pesada que chia ameaçadoramente e acho-me diante de uma espécie de balcão com vários guichets. Ninguém dá ou parece dar pela minha presença e eu fico à espera que alguém se digne a atender-me. Deixo passar os olhos pelos avisos, informações, decretos-lei que povoam as paredes e sinto-me baralhada com uma tão grande desordem visual.
- Tu o que queres, menina?
Assusto-me com a voz que subitamente corta o silêncio e olho à minha volta. Não há ninguém a não ser eu. Deve ser a mim que a voz se dirige. Começo titubeante - Boa tarde! Eu vinha apresentar-me...
A dona da voz, uma senhora bem arranjada, de rosto emoldurado por uma profusão de madeixas acobreadas, fica momentaneamente confusa mas logo assume um tom mais profissional - É professora? Queira desculpar, pensei que fosse uma aluna.
Esboço um sorriso e penso na minha mãe. «Tens que comprar umas roupas adequadas à tua nova situação. Agora és uma professora. Tens que andar chique.» Nem quero imaginar o que considera a minha mãe ser uma pessoa chique. Certamente não será a minha habitual indumentária constituida maioritariamente por calças de ganga. Ela também acha que tenho que comprar uma pasta, daquelas que usam os executivos, ideia à qual eu torço veementemente o nariz. O meu pai coadjuva, acrescentando «e uma gabardina, para os dias de chuva.» Tento explicar, em vão, que vou apenas dar aulas e que hoje em dia já não há essa imagem estereotipada do professor, mas não adianta argumentar com a minha mãe. Quando ela enfia uma ideia na cabeça não há forma de demovê-la. Agora, perante aquela senhora que a minha mãe certamente consideraria «muito chique», equaciono a possibilidade de renovar o meu roupeiro com as tais roupas adequadas à minha nova situação. Olho disfarçadamente para as minhas Levis, desfiadas nos bolsos, parecendo velhas mas que são novas e me custaram alguns euros e penso que prefiro gastar dinheiro a comprar jeans que parecem usados a comprar um fato completo.
- É estagiária, senhora doutora? - na verdade, ela não diz «senhora doutora» mas sim «sô tora» e, de repente, sinto-me importante. É a primeira vez que que alguém me chama assim e imagino logo que daqui para a frente, na mercearia, no cabeleireiro, me vão passar a tratar assim. Respondo-lhe afirmativamente e ela vira as costas e dirige-se a um armário metálico. Vislumbro resmas e resmas de impressos e automaticamente abro a mochila em busca de uma caneta, adivinhando já o que me espera. A senhora volta, carregada de papéis, e fá-los deslizar por baixo do vidro que nos separa - A senhora, por favor, vá preenchendo isto."
Bem, tive que preencher tanta papelada que vou fazer uma pausa. Até já!
Love and light!

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Olá Jade querida!
Tenho a honra de sera primeira a comentar o teu blog! Honra sim, porque tive o privilégio de te conhecer e poder partilhar a tua inteligência e transparência. Temos algumas coisas em comum, uma delas a rejeição à hipocrisia. Mas temos mais...
Gostei imenso do teu texto porque está bem escrito, primeiro lugar, e porque retrata muito bem o que se passa com quase toda a gente que começa as lides pedagógicas. Comigo foi muito semelhante.
Congratulo-me, no entanto, de nem tu nem eu termos abandonado a mochila e a termos trocado pela pasta de pele.
Beijinhos... muitos!
Luísa.

3:05 da tarde  

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