A minha primeira aula
Continuo numa onda de revivalismo e desta vez o que me acode à memória é a primeira vez que eu pisei numa sala de aulas no papel de professora. Aqui fica a minha versão romanceada (os nomes continuam a ser fictícios ainda que inspirados em pessoas reais).
"A campainha retine e eu, qual cãozinho de Pavlov, levanto-me automaticamente e com um ardor crescente no estômago, pego no livro do ponto e encaminho-me em passo apressado para a sala de aulas. Apesar de estar morta de medo, prefiro mil vezes encarar logo o que me espera do que estar a protelar. Desço as escadas quase a correr e saio em direcção ao bloco D, que é o sítio onde vou ter a minha primeira aula. As zonas de circulação estão repletas de alunos e enquanto eu passo pelo meio deles, sinto alguns olhares em cima de mim. À medida que me aproximo do bloco D, percebo que a idade dos alunos que se encontram nas imediações aumenta e com ela, aumentam também os olhares e os comentários à minha passagem. Sinto um nervosismo cada vez maior e só me apetece fugir dali rapidamente. Abro caminho pelo meio de um grupo de alunas esbeltas que tagarelam sem parar e encontro-me diante da porta da sala. Abro-a com a chave que trago firmemente fechada na palma da minha mão e entro. Pouso o livro do ponto, o caderno e o manual sobre a secretária e espero em pé que todos acabem de se sentar. Na verdade, o que eu diviso à minha frente é apenas uma mancha indistinta, cujos contornos flutuam de cima para baixo. Aos poucos e poucos, a ansiedade vai-me abandonando e diferentes rostos começar a apresentar linhas mais definidas. Esboço um sorriso e tento clarear a voz para me apresentar e começar a fazer a chamada. Digo «tento clarear a voz» porque a realidade é que estou rouca, o que não tem nada a ver com o nervosismo, mas sim com uma noitada no dia anterior - Bom dia! - digo para começar. Os sussurros abrandam e cerca de trinta pares de olhos fitam-me - Em primeiro lugar, peço desculpa por não conseguir falar mais alto, mas como já devem ter percebido estou rouca - soam alguns risos. Ignoro-os e continuo - Gostaria de começar por me apresentar - faço uma pequena pausa e hesito entre Amélia e Mel, mas é apenas por uma fracção de segundos - Chamo-me Mel e sou a vossa professora de Filosofia. Imediatamente se levanta um burburinho e eu decido passar rapidamente ao assunto seguinte - Vou fazer a chamada para me ir habituando aos vossos nomes.
- S'tora, como é que disse mesmo que se chamava?
Levanto os olhos da lista de fotografias dos alunos e procuro quem fez a pergunta. É um rapaz com um ar perfeitamente normal e não um adolescente de ar ameaçador, como eu temi por momentos. Decido explicar de vez o pormenor do meu nome - Todos me tratam por Mel que é o diminuitivo do meu verdadeiro nome.
- Mas qual é o seu verdadeiro nome, s'tora? - insiste o mesmo aluno.
Resolvo lançar uma cartada - Desafio-te a ti e a todos os outros a adivinhar.
Quase de imediato, começa uma algazarra com vários alunos ao mesmo tempo a arriscar vários nomes, alguns deles completamente a despropósito. Percebo que não foi a melhor táctica e levanto, tanto quanto sou capaz, a voz para me fazer ouvir - Na próxima aula apresentam-me as vossas sugestões, pode ser? Por agora, vou eu passar a conhecer os vossos nomes - começo a fazer a chamada e, pela primeira vez, desde que entrei na sala, os detalhes do rosto de cada um dos alunos surge-me com relativa precisão. Metade são rapazes e a outra metade são, obviamente, raparigas. À medida que vou chamando os nomes, vou verificando a idade de cada um deles e chego à conclusão que três ou quatro não estão assim tão distantes da minha própria idade. Termino a chamada e, finalmente, sento-me para escrever o sumário e marcar as faltas, mas só agora percebo que devia ter assinalado quem está a faltar porque, entretanto, já me esqueci de quem não respondeu à chamada. Resolvo não marcar falta nenhuma e começo sim a escrever o sumário. Reparo que a minha mão treme enquanto desenho as primeiras letras e tento, a todo o custo, disfarçar. As palavras saem-me quase indecifráveis e cheias de feias arestas.
- Qual é o sumário? - pergunta uma voz feminina.
«Que estúpida» penso eu de mim própria; estou a escrever o sumário e esqueci-me de o ditar à turma. Mais um deslize que tento contornar rapidamente - O sumário é «Apresentação e preenchimento das fichas de caderneta. Ponto parágrafo. Regras de funcionamento da aula de Filosofia. Ponto. Objectivos, conteúdos e avaliação na disciplina de Filosofia.Ponto.» - enquanto dito o sumário ouve-se o ruído das folhas e dos cadernos a serem abertos e alguns pedidos de «empresta-me uma caneta».
- Professora, não apanhei a última parte - diz um aluno.
Volto a repetir a parte final do sumário e agarro nas fichas de caderneta para começar a distribuir. Enquanto circulo pelo meio das mesas vou prestando atenção a alguns pormenores: as mochilas atiradas displicentemente para o chão, os cadernos forrados com imagens que vão desde o surf até aos Slipknot, os telemóveis topo de gama pousados em cima das carteiras. Espero que eles terminem de preencher as folhas com os seus dados pessoais e sento-me na beira de uma mesa, numa postura informal. Vejo os olhares surpreendidos de alguns alunos e uma e outra cotovelada dos elementos masculinos da turma e concluo que não foi uma boa ideia. Volto a levantar-me e percorro com o olhar as paredes pintadas de um amarelo doentio e cravejadas de mensagens do tipo «Amo-te Vanessa do 7ºB» ou então outras mais explícitas do género «Comia-te toda...»"
Hoje vou ficar por aqui mas amanhã continuo a minha aventura numa sala de aulas. Até lá!
Love and light!
2 Comments:
Obrigada pela visita lá no estaminé.
Não ando muito assídua da bloguice porque ando preguiçosa no entanto assim que comecei a ler-te não parei e adorei.
Fizeste-me lembrar o meu próprio estágio com a diferença que eu fui logo pela manhã :D e acompanhada dos meus colegas o que deu logo uma segurança diferente.
Mas entrar em cada uma das escolas que se seguiram, foi muito parecido!!
Vou voltar e serei assídua. Beijos
Até parece que te estou a ver, que me estou a ver!Ih! Ih!
Descreves tão bem as situações que elas passam à minha frente como de uma tela se tratasse.
Beijinho grande Lu
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