Um aluno especial (conclusão)
Finalmente, vou concluir o post que comecei há uns dias atrás. Tinha ficado na parte em que o aluno entra na sala e se senta.
"Ele faz um gesto de assentimento com a cabeça e agradece - Obrigada, professora.
Dito o sumário e dou início à aula começando pela correcção do trabalho de casa. A Isabel, uma aluna extremamente bonita, dona de uns cristalinos olhos azuis, põe o dedo no ar - S'tora, eu li o texto em casa mas não consegui perceber muito bem a distinção entre a validade formal e material de um raciocínio.
- Muito bem, vamos lá ver isso - Durante meia-hora volto a explicar a diferença entre a forma e a matéria de um raciocínio e no final passo uma série de exercícios no quadro - O que eu quero que vocês façam é o seguinte: têm de avaliar estes raciocínios do ponto de vista formal e do ponto de vista material e justificar. Alguma dúvida?
Alguns alunos abanam negativamente a cabeça e começam a copiar do quadro os exercícios.
- Quinze minutos para a realização da tarefa - informo. Enquanto os alunos se afadigam na resolução dos exercícios , eu aproveito para observar melhor o novo aluno: o que mais se destaca nele é o cabelo louro - quase branco- que lhe cai em madeixas sobre os olhos e contrasta fortemente com a tez bronzeada. Ele está reclinado sobre o caderno e quando levanta a cabeça para copiar os exercícios do quadro, olha por entre os fios de cabelo, fazendo um trejeito para o lado. Um dos pulsos está adornado por várias pulseiras, feitas de missangas coloridas, e no outro destaca-se um grande relógio. Continuo a minha observação fascinada pelo estilo dele: as sapatilhas são da mesma cor da tee-shirt laranja, de uma marca de surf, e as calças apresentam uma profusão de bolsos. Ele volta a levantar a cabeça mas, desta vez, olha na minha direcção. Não sei se está a olhar directamente para mim porque não lhe consigo vislumbrar os olhos, mas por causa das dúvidas resolvo desviar a trajectória do meu olhar. O resto da aula, entre a correcção das tarefas e a continuação da matéria, passa num ápice. O toque estridente da campainha assinala o seu final e eu reúno rapidamente as minhas coisas, desejosa de tomar um café e ir para casa. Atravesso o átrio e dirijo-me directamente para o polivalente que é o local onde funciona o bar, tanto para alunos como para professores o que significa que há sempre uma grande confusão e barulheira, condimentada pela música da rádio da escola. Cruzo-me com alguns alunos do 10º ano que me lançam um sorriso e espero pacientemente pela minha vez de ser atendida. O grupo de alunos que está à minha frente é finalmente atendido e eu desvio-me para o lado para lhes dar passagem. Quando faço o movimento para me recolocar na fila alguém choca comigo. Preparo-me para deitar um olhar mal-humorado ao autor do empurrão mas ouço uma voz a dizer - Desculpe, professora.
Deparo com o meu aluno surfista parado mais ou menos ao meu lado. Ele afasta o cabelo dos olhos e vejo que são escuros, quase pretos. Quase podia jurar que ele tinha olhos azuis mas afinal nem todos os surfistas são louros, de olhos azuis. É bem mais alto do que eu e eu preciso de erguer ligeiramente a cabeça para falar com ele.
- Não a magoei, pois não?
Percebo que passou algum tempo entre o encontrão e a pergunta e que devo estar a fazer figura de parva, especada a olhar para ele - Não, não - respondo finalmente. Peço o meu café à funcionária de ar pouco simpático e encosto-me para o lado para lhe dar lugar. Ele pede um snack e após ser atendido atira-me um «até amanhã, professora». Devolvo-lhe a frase e começo a achar piada à sua boa-educação. Distraída com estes pensamentos, escaldo-me na chávena e interiormente solto um palavrão. Mexo e remexo o café, à espera que arrefeça, e enquanto isso o meu aluno volta a entrar no meu campo de visão. Está acompanhado por uma teenager de sedosos cabelos castanhos, alta e esguia. Ele passa-lhe um braço por cima dos ombros e eu percebo que será, certamente, a sua namorada. Fazem um casal bonito e eu penso que podiam fazer um daqueles anúncios, sempre repletos de jovens atraentes e cheios de estilo. Bebo, finalmente, o café e antecipo, com prazer, a imagem da minha cama aconchegante e do fim-de-semana que se avizinha. Decido mentalmente que nem que as minhas amigas me venham convidar para uma festa em Marte eu acederei a ir com elas. Irei passar os dois dias a dormir e a trabalhar para o estágio e cheia de convicção penso que é mesmo isso que tenho a fazer, até porque se aproximam as primeiras regências e eu vou ter mesmo que mostrar trabalho se não quiser ser a ovelha negra do estágio."
Em breve voltarei às aventuras da Mel . Fiquem bem!
Love and light!
15 Comments:
Querida Jade!
Cá estou eu, de novo! É incrível como descreves as situações e quem lê quase toma o teu café! Vai pensando em escrever algo mais sério! Falo muito a sério!
Bom Fim de Semana! Lu
Arte Minorca,
Obrigada pelos teus elogios mas tenho noção das minhas limitações. Eu vi o comentário ao teu post da Liga dos Últimos. Também achei descabido mas não me quis chatear. Acho que não é para isso que aqui estamos.
Um beijinho!
Continua a adorar ler as tuas descrições. O aluno devia ser interessante... nunca tive um aluno surfista... també, só tive alunos junto ao mar na Madeira e ainda eram muito novos para serem surfistas.
Beijos
Conde,
Obrigada pelas tuas palavras. As aventuras da Mel têm muito de autobiográfico mas a partir daí há muitas coisas que são apenas fruto da minha imaginação. No entanto, percebeste e muito bem que se é possível que um aluno se apaixone por um professor, o inverso também é plausível. O aluno surfista existiu (e existe) mas infelizmente ou felizmente nunca estive apaixonada por ele. Ele foi apenas o mote para uma história que eu criei. Relativamente à tua sugestão do texto, não sei se estou à altura de tamanha tarefa, mas vou tentar e quando o tiver logo te digo.
Uma vénia!
Professorinha,
Obrigada pelas tuas simpáticas palavras. Como só dou aulas ao secundário, já tive alunos surfistas, bateristas, atletas profissionais, cantores, etc. Por um lado, é mais fácil lidar com eles porque são mais velhos mas, se clhar, também tem as suas desvantagens.
Um beijo!
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Olá Jade!
Aqui estamos de novo.. e devo dizer que concordo plenamente com a sra.dona arteminorca. Realmente ,quer a escrita quer a forma como descreves as situaçoes, criam em nós uma estranha sensação de conforto e recordação, não sei o que é mas é bom..com um beijo nos despedimos!!
Conde,
Não, o meu nick não tem nada a ver com o filme. Adoptei este nome porque gosto muito do verde da pedra.
Uma vénia!
Nos os tres,
Obrigada pelas vossas palavras e ainda bem que se identificam com as situações que eu descrevo. Significa que, de alguma forma, consigo meter-me na pele dos meus alunos.
Um beijinho!
Querida amiga, estou de novo a ler o teu blog e a lembrar os tempos de Coimbra... quanta saudade!
Sabia que escrevias bem mas tens-me surpreendido com a qualidade dos teus textos.Continua! Beijinhos.
Ops, enganei-me outra vez! Desculpa Visconde, mas é uma confusão de condes e viscondes...
Uma vénia!
Amiga,
Agora que já sei que és tu, posso-te mandar um beijinho. Obrigada pelo elogio. Escrever faz-me bem, é uma espécie de catarse. Gosto de pegar em pormenores quew aconteceram e a partir daí criar uma história. Enfim... paranóias.
Um beijinho!
As tuas histórias prendem-me sempre até ao fim e fico c sensação de q soube a pouco qd acabas. Fico ansiosa à espera dos próximos capítulos. Parabéns. beijitos.
Li, já um pouco atrasado, a continuação desta aventura da Mel, que acho uma delícia :) As tuas palavras têm o toque do algodão, são suaves e macias, sabias?
E parabéns por gostares do verde ;)
Adoro ler esses "causos" de professor. Também tento ser um!
Bjs
Xica,
Estou cheia de trabalho e por isso não tenho tempo para postar nada. Aliás, estive no teu blog e não tive tempo para ler com atenção o teu texto. Vou ver se hoje lá para a noitinha tenho um bocadinho para me actualizar e acabar um texto sobre a educação que me pediram para escrever. Um beijinho!
Estive por aqui.
Vou partir
Fica bem
Manuel
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