sábado, junho 23, 2007

By nigth (III)

"(...)
O Ricardo sentou-se finalmente ao lado da Sofia. O longo cabelo dourado dela estava preso num penteado complicado e das orelhas pendiam-lhe uns brincos em espiral feitos de um material incrivelmente luminoso. Ele pegou-lhe delicadamente na mão – Estás linda! Acho que estou a gostar muito de ti – acrescentou.
- Ainda bem!
Ele sorriu e interiormente pensou porque razão é que tinha acabado de dizer aquilo. Era perfeitamente escusado fazer aquele tipo de confidências. Mais tarde ou mais cedo as coisas acabavam por não resultar, por isso para quê dizer aquelas lamechices? A verdade é que ele se tinha acomodado a um determinado tipo de situação: relações fortuitas em que os sentimentos não eram importantes, mas sim a atracção física. A aparência e o culto que se prestava ao corpo determinavam o tipo de relação que se estabelecia entre um homem e uma mulher. Uma mulher feia seria uma esplêndida amiga, mas não amante; uma mulher bonita, eventualmente, seria uma amante arrebatadora e se fosse extraordinária podia também tornar-se uma excelente amiga. O burburinho em volta trouxe-o de regresso à realidade. Era a expectativa normal enquanto se esperava pelo início do desfile. Começou a ouvir-se uma música suave e, ao longe, surgiu a primeira rapariga. A luz incidiu em cheio em cima dela e, lentamente, ela começou a descer os degraus. A música tornou-se mais frenética e ela rodopiou sobre si mesma. Atirou fora a capa que a envolvia e deixou ver um vestido arrojado. A música voltou a ser suave e a rapariga desfilou diante das centenas de olhos que a fitavam com curiosidade. A seguir apareceram mais modelos, todas elas vestindo roupas insinuantes. Houve um silêncio abrupto e as luzes diminuíram de intensidade. Voltou a surgir uma figura ao longe e a música voltou a ouvir-se. A figura feminina desceu os primeiros degraus e sentou-se. Uma cascata de cabelos ondulados invadia-lhe o rosto. Passados uns breves segundos, ela atirou a cabeça para trás, levantou-se e começou a descer resolutamente os últimos degraus. O vestido que ela trazia esvoaçava à medida que ela avançava e entreabria-se deixando as pernas a descoberto. A luz subiu-lhe pelo corpo envolvendo-a num tom de ouro e iluminou-lhe o rosto até aí na penumbra. De repente, o tempo voltou vertiginosamente atrás e o Ricardo viu-a diante de si: a dançar, a rir, com o cabelo ao vento… A sua imaginação galopou, passando por todos aqueles instantes. Num ápice reviu tudo… A rapariga desfilava diante de si e sorriu para o público num gesto de ternura. Ele seguiu-a atentamente com o olhar, como ainda não querendo acreditar. Não era possível uma semelhança tão grande; era ela, tal e qual, como se o tempo não tivesse passado.
(...)
O Ricardo tentou que o Pedro o visse, acenando-lhe. Ele estava rodeado por algumas das raparigas que tinham desfilado. O Ricardo voltou a acenar-lhe insistentemente até que ele finalmente o viu e se encaminhou, sorridente, na sua direcção – Então mestre? Tudo bem?
Ele puxou-o para um sítio mais retirado, fazendo sinal à Sofia para esperar – Tenho que conhecer uma das miúdas!
O Pedro olhou espantado para ele – Não me digas que já estás cansado da Sofia!
O Ricardo abanou a cabeça em sinal de impaciência – Não tem nada a ver com isso. Só preciso de saber quem ela é.
- OK. E estás a falar de quem?
- Aquela rapariga que desceu as escadas e se sentou. Cabelos compridos e ondulados. Tom natural.
O Pedro sorriu, fazendo um ar de entendimento – Já sei! Estás a falar da Mar.
- Quero o nome verdadeiro dela – pediu o Ricardo – Nada de nomes artísticos.
- Mas eu estou a dizer-te o nome verdadeiro dela – Mar – insistiu o Pedro – Maria do Mar. Mas porque é que estás tão interessado?
O Ricardo coçou pensativamente o queixo e ficou calado durante uns momentos. O Pedro estranhou aquele silêncio. O que se estaria a passar na cabeça dele? Era sempre difícil imaginar o que é que o Ricardo pretendia fazer a seguir. Ele era aquele tipo de pessoa que fazia o que lhe apetecia mais ou menos ao sabor do vento. Era sabido entre aqueles que eram seus amigos que não gostava de manter uma relação durante muito tempo e que punha o seu profissionalismo à frente de qualquer coisa. Muitos chamavam-lhe calculista e as mulheres diziam que ele era frio, mas fora graças à sua frieza que chegara à posição que ocupava hoje. Ele continuava calado por isso o Pedro insistiu na pergunta – Diz lá qual é o teu interesse pela miúda.
- Se ma apresentares talvez eu te possa dizer qual é o meu interesse.
O Pedro encolheu os ombros e encaminhou-se para os camarins. O Ricardo seguiu-o apressado. A porta estava entreaberta e lá dentro podia ver-se uma dúzia de pessoas entre modelos e repórteres.
- Mar! – chamou o Pedro, levantando a voz para se fazer ouvir no meio do ruído.
Uma rapariga levantou-se e caminhou indolentemente na sua direcção. Tinha uma espécie de quimono de seda vestido e o cabelo preso através de um simples elástico. Tinha um ar extremamente jovem: os olhos eram verdes e perfeitamente incrustados no rosto redondo. Os lábios eram cheios e pareciam exageradamente grandes em comparação com o resto. A pele tinha um tom claro contrastando fortemente com o abundante cabelo escuro. Estacou a uns passos deles e esperou.
- Queria apresentar-te aqui uma pessoa que mostrou imensa vontade de te conhecer – disse o Pedro.
Ela desviou o olhar para o Ricardo e fixou os seus olhos verdes nele que a observava fascinado. Ao fim de alguns segundos o rosto iluminou-se-lhe num largo sorriso – É você que me quer conhecer? – indagou ela curiosa.
O seu timbre de voz ecoou estranhamente dentro da cabeça do Ricardo; não era bem aquilo que ele esperava ouvir. O tom era baixo, quase sussurrado, e as palavras ditas pausadamente.
- É ele, é – confirmou o Pedro, apressado – Pronto Ricardo, estás à vontade. Esta é a Mar. Mar, este é o Ricardo. Sejam felizes! – virou costas e correu para a porta por onde acabavam de entrar mais algumas pessoas.
Eles riram-se e o Ricardo aproveitou o momento de descontracção para lhe falar – Desculpe tê-la incomodado mas precisava mesmo de a conhecer. A sua semelhança com uma pessoa que eu conheci é extraordinária.
- Não me incomoda nada. Fico muito contente por o conhecer.
- Não me diga!
- Mas claro! Já o conhecia de nome, é óbvio. Aliás, a maior parte dos meus amigos conhece-o, pelo menos, de nome.
O Ricardo sentiu-se a corar e ficou ligeiramente embaraçado. Era ridículo sentir-se assim diante de uma rapariguinha mas aquela não era uma rapariguinha qualquer; tinha quase a certeza que não. – Eu continuo muito admirado com a parecença que existe com uma pessoa que conheci há muito tempo. De certeza que não é uma simples coincidência de traços…
Ela interrompeu-o – Se calhar conheceu a minha mãe.
Foi como se um raio o tivesse atingido. Durante segundos tudo dançou à sua volta. Filha… mãe… o que é que aquela miúda estava a dizer? Não devia ter ouvido bem ou então era alguma terrível partida do destino e ele sempre acreditara no destino.
- Deve ser isso, não? – insistiu ela – A minha mãe chamava-se Mariana.
A vontade de Ricardo foi de começar a rir às gargalhadas. Ele devia ter adivinhado que não existiam coincidências assim. Filha dela… e ele nunca soubera.
- O que foi? - perguntou ela parecendo admirada – Disse alguma coisa que não devia?
Ele passou a mão pela testa húmida e suspirou – Não, quer dizer, talvez.
- Não estou a perceber.
- Eu conheci a sua mãe – disse ele simplesmente – Não sabia que ela tinha tido uma filha
Ela esboçou um sorriso, mas logo de seguida ficou com um semblante sério – Eu não me lembro dela. Se calhar, você conheceu-a melhor do que eu.
- Se calhar… – A voz dele deixou de se ouvir como se uma brisa a tivesse levado. Ficou calado durante largos segundos, sem conseguir coordenar as ideias.
- O que foi? Você olha para mim de uma forma tão estranha.
- Desculpe! Não é de propósito, mas não consigo evitar – justificou-se ele.
Ela sorriu e ficou também em silêncio sem saber o que dizer.
- Bem, eu vou indo – disse ele – Tenho pessoas à minha espera.
- Então até à próxima!
- Até à próxima!
Ela estendeu-lhe uma mão delgada. O Ricardo apertou-lha sentindo a suavidade da sua pele. Havia um leve aroma que se desprendia dela e que ficava a pairar no ar. Ele achou que era altura de sair dali rapidamente – Nós vemo-nos por aí – Saiu mergulhando novamente no mar de gente. Estava zonzo e a precisar urgentemente de um cigarro. Tirou o maço do bolso e puxou um para fora. Agora até os cigarros eram estilizados com motivos estranhos o que ele considerava uma estupidez já que se acabava por fumar tudo. Acendeu-o e expeliu profundamente. No espaço de uns breves minutos tinha ficado a saber coisas que ignorara anos a fio. Tinha perdido contacto com a mãe dela há muito tempo e só soubera da sua morte através de amigos, mas nunca ninguém lhe dissera que havia uma filha. Perdido nestes pensamentos não se apercebeu que a Sofia se aproximara. Ela passou-lhe os braços à volta do pescoço – Olá!
- Olá! Vamos para casa, sim?
- Casa? – perguntou ela admirada. A surpresa dela era genuína já que nunca tinham estado juntos sem ser em lugares públicos.
- Anda Sofia! Quero sair daqui – insistiu ele, impaciente.
Ela resolveu não dizer nada. Teria oportunidade de lhe perguntar o que sucedera, mais tarde."
Love and ligth!

9 Comments:

Blogger AnadoCastelo said...

Beeeemmm, que história. Está cada vez melhor. Quero mais...
Beijinhos e bom fim de semana

12:39 da manhã  
Blogger foryou said...

Bela história! Bem construida, bem engendrada, bem escrita!

1:19 da tarde  
Blogger LoiS said...

Um dos riscos de deixarmos passar uma parte da nossa vida ao lado, é o de vermos a mesma aparecer mais tarde junto a nós, rejuvenescida. No entanto, por muito igual que nos pareça, é sempre diferente!

Love and Light, sem te querer deixar confusa...

1:52 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Pronto... Conseguiste... Prendeste-me!!! Estou a gostar muito! Beijinho, Lu

10:46 da tarde  
Blogger Marina said...

Pronto, agora ja nao sei de qual gosto mais...
Se esta incluir crimes e policia, estas la! ;-)

Beijitos e boa semana

12:35 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Os "Ricardos" são sempre intervenientes fantásticos em histórias maravilhosas ;)

Acredita que é verdade:)))))

4:17 da tarde  
Blogger Z said...

Desculpa (demasiado longo para as 5 e 1/2 da manhã! e acho que já perdi capítulos anteriores!)
Love and Light (tchiiii tanta light lá fora... já é dia outra vez!)

4:27 da manhã  
Blogger Geoca said...

Só para te dizer que existe um artigo sobre a nossa cidade no New York Times. Passa no blog e vê. Ciao!

10:31 da manhã  
Blogger Cristina said...

Hummm... estou a adorar. Mar sempre foi sinónimo de mistério. Continuará a sê-lo?

Beijinhos grandes e boa semana **

9:15 da tarde  

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