O documento
Não é o meu género postar sobre o que me acontece no dia-a-dia. No entanto, hoje vou violar essa pequena regra. Afinal as regras existem para serem violadas. Há um ano troquei de carro. O concessionário, como é habitual, tratou da papelada necessária para que os documentos me fossem enviados para casa. Passado meio ano, estava eu a fazer uma daquelas limpezas aos papéis, extractos de multibanco, que se vão acumulando nas carteiras quando verifiquei que o título de registo de propriedade nunca me tinha sido enviado. A única coisa que eu tinha era uma guia que já estava caducada há meses. Telefonei para o stand, que lavou as mãos, dizendo que se o título nunca tinha chegado o problema não era deles mas meu. «Claro» disse eu «a vocês só interessa vender o carro, mais nada.» Resolvi ir directamente à Direcção Geral de Viação saber o que é que tinha acontecido ao meu documento. A senhora que me atendeu fez uma pesquisa no computador e descobriu que o documento tinha sido emitido, enviado e devolvido. «Devolvido porquê?» perguntei eu. «Morada incorrecta» respondeu ela. Verifiquei a morada e constatei que estava correcta. «Então, o registo foi devolvido e o que é que lhe aconteceu?» perguntei inocentemente. A senhora explicou-me que os registos devolvidos eram destruídos. «Destruídos?» exclamei eu, incrédula «Um registo é devolvido, passam-se meses, um carro foi comprado e não é de ninguém. Anda por aí...». Discussões à parte, perguntei à senhora como é que podia resolver o problema. «Bem, tem que ser pedida uma segunda via». Pedi uma segunda via e paguei 33 euros. Mais ou menos três meses volvidos, a bendita segunda via nunca me chegou a casa. Rumei novamente à DGV e atendeu-me uma senhora que estava a substituir a outra que, anteriormente, me tinha atendido. Contei a lengalenga toda, ela procurou no sistema e...surpresa! A segunda via tinha sido emitida, enviada e devolvida! Motivo: morada errada. Comecei a passar-me. A senhora carimbou-me o papel provisório por mais uns dias e disse para eu lá voltar para a semana quando a colega dela já estivesse ao serviço. Fui para casa, pensei no assunto e resolvi acautelar-me. Fui à Junta de Freguesia e pedi um comprovativo de morada (queria munir-me com um documento que provasse inequivocamente que aquela era, de facto, a morada correcta). Armada com o documento, voltei, passados uns dias, à DGV. Ia a começar a desfiar o rosário, mas a senhora interrompeu-me dizendo que já sabia do que se tratava. O meu caso não era único. Na transição do título de registo de propriedade para o Documento Único, muitos houve que nunca chegaram ao destino. Assim, a Imprensa Nacional Casa da Moeda resolveu enviar os ditos documentos directamente para o serviço dos Registos e do Notariado. A senhora disse que ia fazer o pedido e que daí a dez dias eu podia ir lá buscar o documento. Ora, o meu post de hoje tem precisamente a ver com esta última etapa (claro que eu tinha que contar a história toda para vocês perceberem). Hoje, dirijo-me ao Registo Comercial e espero pela minha vez de ser atendida. Confesso que não estava há muito tempo à espera quando chegou a minha vez. Dirijo-me à funcionária que me diz «a senhora pode-se "assentar"». Fico logo bem-disposta! "Assento-me" e digo ao que venho. Entretanto, pelo meio, uma outra funcionária abeira-se dela, questionando-a sobre um registo de um carro, uma confusão, uns PH, uns PAA ou o diabo a sete e ela, confusa, tropeçando nas suas próprias palavras, tenta explicar à outra o que tinha feito. Enquanto isso, eu espero. A colega vai-se embora e ela lembra-se que eu existo «"atão", vamos lá a ver». Depois de eu explicar o que venho buscar, atira-me ela, de olhos esbugalhados «ai, mas isso "num" vem p'rá "qui"; isso vai p'ra casa». Tento explicar e a criatura insiste que ali não há documentos nenhuns. Acabo por lhe dizer, peremptóriamente, que a colega que está na DGV me afirmou que os documentos seriam enviados para aquele serviço. Ela lá se levanta, com uma camisola muito mal amanhada, e diz que vai ver. Eu espero. Volta, passados uns longos minutos, com um cheque na mão e "assenta-se". Eu, na minha louca ingenuidade, convenço-me que me vão reembolsar os 33 euros. «Fui ver aos pendentes e "num" está lá nada», diz. Percebo, desiludida, que o cheque não é para mim e fico à espera que ela diga mais alguma coisa. A criatura enfia o cheque dentro de um envelope, preenche um impresso e eu à espera. Numa atitude masoquista, resolvo ver até onde vai a incompetência dela. Continuo à espera e, entretanto, abeira-se um daqueles chicos-espertos que "quer só perguntar uma coisa". Para meu espanto ela começa a atender o chico-esperto e volta a esquecer-se de mim. Penso que já é demais e, sem meias-medidas, pergunto-lhe bem alto «Quando é que pensa resolver o meu problema?». «Eu disse p'ra esperar um bocadinho». Ainda por cima mentirosa! «A senhora disse-me que não estava nada nos pendentes; não me disse para esperar um bocadinho!». Um senhor ao lado «É uma vergonha! Põe-se a atender os outros e nós à espera!» Ela, enfiada, desaparece pelo meio das secretárias, porém, consigo vislumbrá-la a falar com outra funcionária. Essa funcionária vem ter comigo, eu explico-lhe do que se trata, ela dá meia-volta e daí a dois minutos volta com a pasta dos "Pendentes" na mão e o meu almejado documento. Nisto tudo, terei perdido à volta de três quartos de hora.
Moral da história: não costumo criticar ou ser desagradável gratuitamente. A funcionária do "assentar" é, do meu ponto de vista, inadequada para estar num serviço de atendimento público, senão vejamos: 1) fala mal; 2) veste-se mal (penso que quem lida com o público deve ter algum cuidado com o vestuário. Eu também não vou dar aulas vestida de qualquer maneira); 3) não sabe fazer o seu serviço, ou seja, é incompetente. Mais tarde, pensei «Coitada, se calhar estava num dia menos bom», mas há pouco, ao falar com alguém sobre o sucedido, soube que ela é sempre assim. Parece que quem é atendido por ela tem sempre grandes problemas. As ilações, tire-as quem quiser. Não bastava o festival do documento perdido algures entre a INCM e a minha casa e para terminar ainda tive que gramar o pastel. Irra, que mais vale não trocar de carro!
Desculpem a seca!
Love and light!
14 Comments:
É por estas e por outras que eu sou a favor da avaliação. Essa senhora não devia ganhar tanto como outra que desempenha o seu trabalho de forma competente. Com os professores também penso o mesmo. Só não concordo que os excelentes, muito bons e bons estejam dependentes de quotas!! E mais, será preciso esclarecer muito bem quais os critérios da dita cuja avaliação.
Penso que as repartições públicas são o exemplo acabado da ineficiência do Estado!
Beijinhos amiga! Adorei que te servisses do meu espaço, fá-lo sempre que o desejares! Lu
É tarde e postei novamente longo Jade, mas muita coisa me apetece dizer, mas, pasma-te, em defesa da pobre senhora !!!
Bjs e boas noites, voltarei se quiseres ao assunto !
PS. Olá Arteminorca !!! ;)
Raras vezes o atendimento nas repartições públicas fica perto do desejado. Ás vezes parece q estão a gozar connosco: faltamos ao trabalho, ficamos horas à espera, falam-nos mal p depois, muitas vezes nem nos resolverem a questão. E o maior problema é q se se tentar fazer queixa (como em qualquer outro serviço privado) o máximo q lhes pode acontecer é mudarem-nos de posto, pois têm contrato vitalício (já ouvi muitas histórias destas, principalmente em câmaras).
O pior é q ela sempre deve ter sido incompetente (p o trabalho em questão, sublinhe-se), mas lá deve ter tido um amigo sr. Cunha importante q lhe arranjou o tacho- e tanta gente competente no desemprego ou à procura do 1º emprego.
Eu tb concordo c as avaliações, se bem q:
-quem as vai fazer? O director da repartição q simpatiza mais c fulano do q com sicrano e até foi ele q lá o meteu?
Espero q não mas acho q vai tudo dar ao mesmo.
Talvez auditorias com avaliação do desempenho e conhecimento das funções fosse o adequado (às tantas já é isso q pretendem fazer).
Beijitos.
Só quem atende o público pode avaliar. Quem lida com gente tem que ter estômago, é um facto e é uma tarefa que poucos querem fazer, digamos que é o elo mais fraco de uma cadeia. Os profissionais do atendimento lidam com gente de todas as maneiras e feitios, de tudo!
Vejo muitas vezes essa gente a sofrer impropérios de tipos que só por estarem a ser atendidos julgam que quem está à sua frente é um seu escravo e não merecedor de simpatia. Recordo esta semana numa simples loja do “Cinc à Sec” a arrogância de dois clientes em frente a mim a humilharem a pobre empregada que apenas e só, não encontrava a saia e a camisa que exigiam ( quando, pelo que percebi, o trabalho acordado estava destinado para o dia seguinte ). Quando chegou a minha vez, já adivinhava o que ia suceder, não ia também encontrar as minhas gravatas, não por falta de profissionalismo mas por descalabro emocional que por um acaso assisti ... sorri para ela e disse-lhe em tom baixo para respirar fundo, que tivesse calma que no dia seguinte encontraria o que queria, eu viria outra vez ! sempre com um olhar terno nos olhos e apaziguador. Sorriu, foi procurar de novo e encontrou, agradeceu ( algo que o ser humano se esquece muitas vezes ), a rapariga afinal tinha muito mais formação que todos os clientes juntos !
Muita gente não conhece a assertividade e lança-se à luta sem demais demoras e sem respeito pelo próximo.
Não foi o teu caso Jade! mas continuo a gostar do que estou a exprimir.
Agora imagina o seguinte quadro como muitos que conheci: uma tipa ( o elo mais fraco ) lançada para a frente dos “leões” pois ninguém o quer fazer; desmotivada; constantemente humilhada pelo próximo; a ganhar menos que as que bebem cafés, no seu mesmo serviço, enquanto ela está a aturar gente suja; arrogante; agressiva; analfabeta; chico-esperta. Nesse quadro, tudo o que vê à frente é mau !. É humano, não está formada nem preparada para lidar e contornar essa dificuldade.
Despedimentos não existem, ou melhor, neste quadro ela foi “despedida”, alguém a meteu na linha da frente como “castigo”, é o “despedimento” possível..
Soluções: contratar e motivar pessoas, dando-lhes formação específica ( já se vai vendo disso nas lojas do cidadão ), objectivamente para esses serviços e com coordenações que acompanhem com a “mão na massa” o mesmo trabalho !
Desculpa a extensão da prosa.
É uma visão apaziguadora Jade, mesmo de Love and light ;)
Beijos
Lois, gostei muito da tua análise. Não sou de forma nenhuma uma pessoa arrogante que trata mal quem está nos serviços de atendimento público. Digo sempre bom-dia, agradeço sempre, em suma, sou amável, não por obrigação mas por convicção. Questionei-me mais tarde sobre o comportamento da senhora, tal como referi no post. Admito que pode ser uma funcionária desmotivada, com problemas emocionais ou quaisquer outros, no entanto, continuo a achar que devemos executar o melhor possível as nossas funções em prol de quem beneficia delas. Quantas vezes, de manhã, faço um esforço para sair da cama, cheia de dores de cabeça, com vontade de matar meio-mundo, apetecendo-mevestir o primeiro farrapo que me aparece à frente e, no entanto, num esforço sobre-humano, quando os alunos entram na sala tenho um sorriso nos lábios. eu sei que todas as pessoas são diferentes, mas o que me é dado a constatar é que existe pouco brio profissional. Todas as profissões, desde as mais exigentes, às mais simples devem ser executadas com consciência e responsabilidade. Acresce nos serviços de atendimemto público, a necessidade de se ser amável, bem apresentado. Como a Xica observou e bem, isso não acontece na maior parte das nossas repartições públicas. Também dou a mão à palmatória: aa Lojas do Cidadão já se preocupam em dar formação e, de facto, não tenho razões de queixa desses serviços. Enfim...
Beijos Lois
PS Beijinhos também para ti, Xica e para a minha querida Arte Minorca.
Há gente mal tratada quando está a atender e há gente mal tratada a ser atendida. Como exemplo basta dirigirem-se à tv-cabo... :-)) Estamos num País onde tudo é possível, felizmente e infelizmente.
Por estas e por outras é que depois todos caem em cima dos funcionários públicos. Não há escolha de quem atende ao público e as pessoas que já deveriam estar reformadas, ainda estão no activo...
Beijos
Será que moras "no fim do mundo" e o carteiro não te encontra? E como vais agora comprar o selo? O sistema "simplex" do nosso primeiro decidiu não te registar nem simplificar a vida;);) Olho neles...olho neles.
Aflores, não vivo no fim do mundo. Aliás, toda a correspondência vem ter direitinho a minha casa, excepto esse maldito documento. Bem, mas agora já o tenho.
Boa semana!
A ultima vez que fui as financas foi mesmo por causa desse bendito selo do carro...
Simplex o tanas! Que depois de quase 3 meses sem o receber em casa tive de me deslocar por duas vezes as Finanças e ainda aturar algumas senhoras simpaticas como essa da tua história...
Beijitos
Visconde,
Curiosamente (ou não?!!!) a Murtosa pertence ao distrito da minha cidade...
Vénias!
Ai Jade, afinal não é só a mim que acontecem coisas meio estranhas. Parecia quase a minha aventura do supermercado :)
ps: não foi desta que veio o Alfazito, pois não? :D
22,
Infelizmente não. Com o salário de professor é difícil...
Um beijo!
E ainda reclamam que não querem a limpeza do funcionalismo publico. Pois... Aqui nas financas, quem vem com pressa tem que gramar uma lady que folheia a Caras descaradamente e so se lhe apetecer é que atende. Grças a Deus há uns "malcriadões" como eu que a fazem trabalhar...
Bem vindos a Portugal
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