Estamos em 2007 e eu queria desejar a todos um bom ano. Não tive oportunidade de passar pelos vossos blogs por isso daqui endereço, a todos, votos de um excelente 2007. Infelizmente não consegui ser tão assídua como queria durante este período. Paradoxalmente, pode ser que agora que as aulas recomeçaram, eu consiga dispôr de mais tempo para alimentar este meu canto. Para já, fiquem com a continuação da história que tenho estado a contar.
"Quando o dia acaba e finalmente chego a casa o meu primeiro pensamento vai para o cd religiosamente guardado na minha sacola. Descalço as botas e massajo suavemente os pés, tentando decidir o que vou fazer em primeiro lugar: comer, arrumar o quarto, planificar aulas, telefonar ao Jorge ou visionar o cd? Opto, mais depressa do que devia, pela última alternativa. Puxo as orelhas da cama para cima, ligo o meu portátil e sento-me recostada contra uma almofada. Insiro com cuidado o cd e fico ansiosamente à espera que algo aconteça. As imagens sucedem-se e assisto ao que parece ser uma prova de surf. Num esforço de visão parece que reconheço o Joka e quase hipnotizada nem dou pelo tempo a passar. Quando o cd chega ao fim, desligo o computador e assalta-me uma melancolia estranha. De repente, é como se toda a minha vida não tivesse sentido e eu não fizesse nada mais do que desfilar perante momentos sucessivos de tempo que se atravessam à minha frente. Penso no curso que escolhi e interrogo-me se a saída profissional que ele me proporcionou é mesmo aquela que eu ambicionava. Concluo, como já conclui outras vezes, que não sei responder a esta questão aparentemente tão simples. Escolhi Filosofia porque gostava de ler e achei piada aos filósofos gregos, mas nunca equacionei a possibilidade de vir a ser professora. Na altura, a única coisa que eu queria era continuar a estudar, independentemente do futuro que esse curso me pudesse proporcionar. Agora que estou perante aquilo que ele me ofereceu, pondero se é mesmo isto que quero fazer durante os próximos anos. Sinto que não tenho nada que me apaixone verdadeiramente, a não ser, a música, a leitura e a escrita (mas mesmo esta é pouco consistente) e que estou confinada ao meu pequeno mundo, convencida que ele é melhor do que o dos outros. A aridez da minha vida resume-se a sair com as minhas amigas e o meu namorado, ir de férias de quando em quando e achar que isso é fantástico. Não tenho nenhum projecto que tome conta de todo o meu ser (como, por exemplo, tem o Joka que é apenas um puto de dezassete anos)do qual não possa prescindir e tenho a sensação que tudo o que vivi até ao momento é fútil e desinteressante. Reflicto no que gostaria de fazer se me dessem a escolher ou se ganhasse o Euromilhões, mas a verdade é que não faço a mais pálida ideia. Certamente se a mesma pergunta fosse feita a outras pessoas, muitas apontariam logo mil e um projectos que gostariam de ver realizados, mas eu, por mais que pense, não consigo encontrar o meu grande sonho. Sinto-me mal, terrivelmente mal e apetece-me amaldiçoar o cd do Joka que despoletou este pequeno drama existencial.
(...)
Encontro-me sentada à mesa do café, com o Jorge em frente, e continuo dominada por aquela sensação de apatia mortal que me tomou de assalto no dia anterior. Estou em silêncio, sem vontade de falar, e respondo a conta-gotas às perguntas que ele me faz. Insiste para que eu lhe conte o que tenho e resolvo confidenciar-lhe as minhas angústias - Percebes, Jorge, é como se a minha vida não tivesse um propósito. Não há nada em que eu me destaque. Por exemplo, tu tens um dom- a tua voz- e a tua vida tem um sentido. Se não cantares é como se te faltasse o oxigénio para respirar, não é? É como o Joka...
Ele interrompe-me - Quem é o Joka?
- O Joka é meu aluno e diz que precisa do surf para viver, tal como tu precisas da música e o David Fonseca da escrita.
O Jorge esboça uma expressão algo confusa - David Fonseca? O dos Silence Four?
- Sim, mas os Silence Four já não existem. Mas isso não interessa. A questão é que também ele tem um objectivo claro na sua vida e ele não escreve porque quer, mas porque precisa.
- Mel, apresentaste-me três exemplos no meio de biliões de pessoas que existem e que, se calhar, passam exactamente pelas mesmas dúvidas que tu tens. E já que falaste do meu próprio caso, também te posso dizer que não que não sei se quero fazer da música a minha vida, ou seja, não tenho um projecto definido.
- É diferente. Não sabes se queres fazer da música a tua vida mas, no entanto, tens a música. Eu não tenho nada.
O Jorge abana a cabeça em claro sinal de discordância - Como não tens nada?
- Nada assim que me venha das entranhas, que seja um apelo telúrico ao qual eu não possa fugir - explico - Tudo o que aprecio na vida é sempre no papel de uma simples espectadora. Gosto de música mas não sei compor nem cantar e, portanto, limito-me a ouvi-la. Adoro a escrita mas acho que que a minha não tem qualidade suficiente, por isso limito-me a ler o que outros escrevem. Gosto de teatro mas não sei representar e então asssisto às peças que os outros interpretam.
- E as aulas? Não te preenchem? Não és boa naquilo que fazes?
Encolho os ombros - As aulas não me preenchem e acho que não sou boa naquilo que faço porque não me esforço e o não me esforçar leva-nos ao início da questão: não me esforço porque as aulas não me preenchem. É um círculo vicioso, percebes? - depois disto fecho-me num silêncio que eu sei que para o Jorge é desagradável mas a realidade é que não me apetece falar mais sobre isto. Pode ser que que mais uma noite de repouso apague em mim este desconforto que me está a dilacerar por dentro."
Love and ligth!