O meu blogamigo Capitão-Mor iniciou mais uma blogsérie, desta vez interactiva. O esquema é simples: ele escreveu o
primeiro episódio e passou a continuação da história ao Lois que escreveu o
segundo episódio. O Lois, por seu turno, passou a história para mim e eu apresento hoje o terceiro episódio. Espero estar à altura dos meus antecessores.
(...)- Mas que raio de merda é esta? - grita o Augusto Luís já lívido - Agora também já atiram pedras à janela?
O Ferreira corre até ao extremo da sala e encosta o nariz ao vidro, numa tentativa desesperada de perceber o que é que está a acontecer. Os breves segundos que decorrem, parecem a Augusto Luís, impaciente por natureza, longos minutos - O que foi? O que foi?
O Ferreira vira-se, com uma expressão indecifrável estampada no rosto.
- Mas o que é que se passa, porra? Diz de uma vez! - implora o amigo já em desespero.
- É granizo, pá! Está a cair pedra! Vê lá se te acalmas que já me estás a pôr os nervos em franja!
Ele engole em seco e deixa-se cair pesadamente em cima do sofá. Saca de mais um cigarro e com as mãos trémulas acende-o, inspirando profundamente.
- Vê lá se me queimas a porra do sofá!
- Cala-te lá com o sofá! Põe é a merda do DVD!
O Ferreira apanha o comando do chão que, entretanto, tinha ido pelos ares, coloca de novo o disco no aparelho e, como se estivesse pronto para disparar um revólver,aponta o comando ao DVD. Um silêncio sepulcral invade a sala e o medo que se apossa de ambos é quase palpável. O ecrã da televisão adquire um tom azulado e o Ferreira opta por sentar-se ao lado do Augusto Luís, prevenindo-se já contra algo que possa ver que lhe roube o equilíbrio. A primeira imagem que aparece é de uns pés e a câmara detém-se num primeiro plano, quase obsceno, naqueles pés grandes, descuidados, de unhas mal cortadas, dando tempo ao Ferreira e ao Augusto Luís para ficarem boquiabertos - Uns pés?!! - exclama o Ferreira, sentindo-se enojado - Mas o que significa isto?
O Augusto Luís atira-lhe um olhar mortal que o silencia de imediato. A câmara sobe lentamente e aparecem agora umas pernas magras, peludas, o que adensa ainda mais o clima de estupefacção que paira no ar.
- Que merda é esta? Um filme pornográfico de quinta categoria? - vocifera o Ferreira cada vez mais irritado.
A filmagem não dá tempo para mais nada porque logo a seguir a câmara começa novamente a subir e o ecrã é literalmente invadido por uns boxers brancos, semeados de ursinhos castanhos com laços vermelhos em redor dos pescoços.
No meio de todo aquele nervosismo, o Augusto Luís é assolado por um ataque de riso - Eh, eh, eh! Boxers com ursinhos!
É a vez do Ferreira se insurgir contra os comentários e lhe dar uma cotovelada. Ele volta a ficar sério, dá uma passa no cigarro que ficara meio esquecido entre os dedos e fixa o olhar naquela imagem estupidamente absurda de uns boxers a preencher todo o ecrã de uma televisão. Subitamente, a câmara desloca-se abruptamente e a imagem seguinte mostra um homem em tronco nu, de olhar assustado, com uma placa pendurada ao pescoço.
O Augusto Luís engasga-se com uma baforada de fumo e é acometido por uma tosse violenta, enquanto o Ferreira se levanta num pulo e corre em direcção à televisão - Que brincadeira vem a ser esta?
- Sai da frente, porra! - grita-lhe o Augusto Luís que, entretanto, também se levantara.
- Mas...mas... - gagueja o Ferreira - Aquele é... é...
- É o Reis!
- Foda-se, é o Reis! - repete o Ferreira, com um ar aparvalhado.
Pelas cabeças dos dois cruzam-se mil pensamentos. O Augusto Luís, sempre desconfiado, conjectura se não se tratará de uma partida; o Ferreira, mais crédulo por natureza, e com experiência em casos semelhantes, depressa se apercebe que estão diante de uma situação real. O pobre Reis, amedrontado, parece apático, confuso, olhando em seu redor como se procurasse uma saída para aquela situação constrangedora. Enquanto os dois se encontram imersos nos mais terríveis pensamentos, a imagem muda mais uma vez e agora o que aparece é o próprio Ferreira, descomposto, com uma caipirinha numa das mãos e abraçado a uma morena semi-nua - Olha, olha - grita - Sou eu!
- Claro que és tu! - atira o Augusto Luís começando a sentir suores frios - E aquele é o Reis - acrescenta, apontando para uma figura que salta de um lado para o outro em cuecas e meias. Aos poucos e poucos, todos acabam por aparecer no écrã - o Lemos, o Fonseca e o próprio Augusto Luís, completamente enrolado numa loira oxigenada. De repente, o écrã volta a ficar escuro e umas palavras surgem como por magia: "
TEMOS O REIS. DECIFREM O ENIGMA. ENTRAREMOS EM CONTACTO."
O Ferreira e o Augusto Luís não aguentam mais; o primeiro dá um murro na televisão como se ela fosse culpada de alguma coisa e o Augusto Luís caminha furiosamente de um lado para o outro, esmaga a beata do cigarro que estivera a fumar no cinzeiro enquanto repete sem parar - O que é que vamos fazer? O que é que vamos fazer?
- Chantagem, é chantagem! - exclama o Ferreira - E ainda por cima têm o Reis! Coitado do Reis!
- Temos que entrar em contacto com os outros - lembra o Augusto Luís - Eles têm que saber. Vou ligar-lhes!
O Ferreira avança, decidido, em direcção ao amigo e arranca-lhe o telemóvel das mãos - Nada de telefonemas!
O Augusto Luís olha para ele, surpreendido, mas acata a ordem e o Ferreira devolve-lhe o telemóvel e logo de seguida avança para o leitor, retira o DVD cuidadosamente e guarda-o religiosamente no envelope - Vamos embora! - diz, tomando o comando da situação.
Saem em direcção ao patamar, a porta bate com estrondo e chamam o elevador. Entram e olham estupidamente para os seus rostos reflectidos pelo espelho enquanto aguardam que a descida comece o que parece durar uma eternidade. Quando finalmente a porta se começa a deslocar, alguém a trava com o braço e ela volta a recuar. Os dois voltam-se como se tivessem molas nos pés e no elevador entra uma mulher de óculos escuros que lhe cobrem parcialmente o rosto. A descida inicia-se, finalmente, e de repente, a voz dela corta o silêncio pesado que se instalou - São residentes?
Eles são apanhados de surpresa e é o Ferreira que acaba por falar - Como?
- Se moram aqui...
- Ah! - exclama ele - Eu moro.
Ela tira os óculos escuros e estende-lhe uma mão delgada - Muito prazer! Sou nova no prédio. Chamo-me Amélia.
O Ferreira ganha rapidamente a sua habitual desenvoltura e corresponde ao cumprimento - Muito prazer! Ferreira - aponta para o amigo e acrescenta - o meu amigo, Augusto Luís.
Ela dirige o olhar para ele e estende-lhe igualmente a mão que ele aperta, demorando mais tempo do que o estritamente necessário. Sente o leve aroma que se solta dos cabelos escuros e compridos, detém-se nos olhos esverdeados e ligeiramente rasgados e, subitamente, é como se tudo à sua volta desaparecesse, o DVD, o pobre Reis, o Ferreira e só restassem aqueles olhos que o fitam insistentemente. Sente-se fora do tempo e do espaço, capturado por aquela magnética presença."
Tenho agora que passar a bola a alguém; não vou pensar muito. Será do Capitão-Mor o privilégio (ou não) de tentar desembrulhar esta história.