quinta-feira, novembro 30, 2006

Depois das férias do Natal

Ontem, eu e um colega, passamos umas boas duas horas a recordar os tempos de faculdade. Estudámos juntos e já não é a primeira vez que estamos na mesma escola. Isso deu-me vontade de voltar às histórias da "prof" virtual. É também para ti, Marina, que me deixaste um comentário a dizer que já tinhas saudades da estagiária.
" Acordo com os olhos inchados e uma subtil dor de cabeça. Abro a persiana e constato, com decepção, que está um dia cinzento, daqueles com uma chuvinha miudinha e embirrenta. Tomo um duche rápido, enfio umas calças de ganga e uma camisola de gola alta, dou uma escovadela rápida ao meu desgrenhado cabelo e termino calçando umas botas e vestindo um kispo verde. Pego na minha sacola, que tive a inteligência de deixar preparada na noite anterior, e preparo-me para sair. Lembro-me que falta o perfume e volto atrás, atirando pequenos jactos à toa. Sem perfume, sinto-me despida. Volto a abrir a porta da rua mas mais uma vez recuo. Agora esqueci-me da chave do carro. É falta de hábito. Finalmente consigo reunir tudo o que preciso e depois de descer as escadas a correr, instalo-me, o mais confortavelmente possível, ao volante do meu carro a estrear. Conduzo, com um certo receio, por entre o trânsito da cidade, congestionado a esta hora da manhã, e sinto uma sensação de alívio ao chegar incólume à escola. Encontro duas alunas do 10º ano que me perguntam se as férias foram boas e entramos juntas, tagarelando sobre prendas e passagens de ano. Assusto-me quando uma delas solta um gritinho histérico - S'tora, deixe-me assistir à sua aula do 11º ano.
Olho espantada para ela - A que propósito? Não sabia que gostavas assim tanto de Filosofia.
A amiga responde por ela - Não, s'tora. Ela gosta mesmo é do Joka.
A outra volta a soltar uma risadinha - Olhe para ele, s'tora! Ele é tão lindo!
Olho na mesma direcção e realmente vejo o meu aluno Joka a caminhar, no seu jeito algo displicente, com as mãos enfiadas num Kispo volumoso e um gorro enfiado até às orelhas que lhe deixa apenas de fora as pontas louríssimas do seu cabelo. Não lhes digo nada mas interiormente concordo com elas; ele é muito bonito e tem "montes" de estilo. O rosto continua fortemente bronzeado, transmitindo saúde e lembrando o Verão que, penso eu com tristeza, ainda está tão longe.
- Sabe, ´s'tora, ele viaja pelo mundo todo. Ainda agora esteve naquele sítio... Como é que se chama, Andreia?
- Ai, não sei. Já não me lembro do nome.
- É aquele sítio, s'tora... - enruga a testa num esforço de memória - Não interessa. Daqui a pouco já me lembro.
- E como é que vocês sabem isso tudo? - inquiro com curiosidade.
- Ó s'tora, a Andreia tem um primo que é amigo dele e depois o primo conta à Andreia e prontos.
- Ah, já percebi - digo eu, nada admirada com o sistema de informações delas. Na minha altura de estudante funcionava exactamente da mesma maneira - Mas olha lá, Marisa, cuidado que ele tem namorada!
Ela faz um ar de desdém- É uma pindérica!
Dá-me vontade de rir porque o argumento utilizado é invariavelmente o mesmo, mudando apenas o adjectivo - Não é nada pindérica! Até é muito gira!
A Marisa faz um ar amuado mas, ao mesmo tempo, resignado - 'Tá bem, s'tora, é gira. Mas não interessa, é uma betinha!
Eu encolho os ombros - Pindérica ou betinha, é com ela que ele namora.
A Andreia dá um encontrão à amiga - É isso mesmo s'tora! Ouviste, ó estúpida? - acrescenta.
Faço um gesto de despedida com a mão e dirigo-me em passo apressado para o polivalente para ainda tomar um café antes da aula. Há pouca gente em frente ao balcão do bar e sou prontamente atendida. Despejo com cuidado o pacote de açucar na chávena e sou interrompida por um cumprimento - Bom dia, professora! As férias, foram boas?
Nem sequer preciso de olhar para saber quem é. Só há um aluno que me chama assim - o Joka..."
Infelizmente não posso continuar. As obrigações chamam-me. Prometo retomar a história no próximo post, até porque a conversa entre a Mel e o Joka despoletou nela uma pequena crise existencial.
Love and ligth!

sexta-feira, novembro 24, 2006

Aulas de substituição

Desde o início do ano lectivo que já fiz várias substituições. Não digo dar aulas porque nunca dei nenhuma aula. Limitei-me a fazer correr o tempo porque me recuso terminantemente a levar material meu para essas aulas (até porque não faço a mínima ideia da turma que vou encontrar). Entretanto, o Conselho Executivo da minha escola decidiu que a partir do dia 20 de Novembro todos os professores tinham que deixar material a ser utilizado, no caso de faltarem. O processo é simples: todas as turmas têm um dossier dividido por disciplinas e os professores são obrigados a deixar em acetato, material em número suficiente a ser utilizado pelo professor que for realizar a substituição. Se eu tiver uma disciplina três vezes por semana tenho que deixar três documentos mesmo que, à partida, não pretenda faltar. Quem não deixar material e falte, terá falta injustificada. Ora, o propósito do meu post não era relatar isto, mas sim mostrar o efeito que esta estratégia surtiu: esta semana não fiz uma única aula de substituição e folheando o livro onde assinamos, verifiquei que nos últimos dias não havia professores a faltar. A minha conclusão é a seguinte: na realidade, há muitos professores a faltar "por dá cá aquela palha", senão como se justifica esta mudança brusca? Já sei que muitos dirão «só agora é que percebeste isso?» ao que eu respondo sim. É que eu tenho por princípio acreditar nas pessoas e julgá-las pelos meus próprios valores e depois sofro valentes decepções. É por estas e por outras que a nossa imagem está de rastos.
Love and ligth!

segunda-feira, novembro 20, 2006

Filme de uma semana

A semana passada foi muito complicada, razão da minha ausência prolongada. Em primeiro lugar, fui acometida por uma apatia quase mortal, fruto do cansaço acumulado. Assim, tive que optimizar as minhas parcas energias para aquilo que não podia deixar de ser feito, ou seja, preparação de aulas (por estas alturas, ando à volta com as células), reuniões intercalares e planificação do Dia Internacional da Filosofia e do Dia da Tolerância (ambos comemorados no dia 16 de Novembro). O meu projecto para o Dia da Tolerância ficou incompleto porque não tive oportunidade de acordar atempadamente com os meus alunos aquilo que eles tinham que fazer o que me remete para um outro assunto que é a dificuldade que eu tenho em conseguir dar aulas neste ano. Na outra semana, a escola fechou na sexta-feira (greve da Função Pública); nesta terça-feira, os meus alunos do 12º ano andaram em campanha para a Associação de Estudantes e baldaram-se às aulas; na quarta-feira, os mesmos alunos foram em visita de estudo ao Museu Amadeu de Sousa Cardoso e à casa do Eça; na quinta-feira, ainda com os mesmos alunos, tive que acabar os cartazes alusivos ao Dia da Tolerância (mais uma aula para o ar...) e, para terminar a semana em beleza, na sexta-feira de manhã, a maior parte dos alunos associou-se à manifestação e aos restantes tive que os deixar sair mais cedo porque estavam envolvidos em actividades inseridas no âmbito do Dia do Patrono. Em suma, estou atrasadíssima na matéria. Sobre o Dia da Filosofia e da Tolerância, tenho a dizer que tudo correu bem. Inserimos o Dia da Tolerância dentro do projecto do Dia da Filosofia . Os meus alunos do 12º ano elaboraram cartazes sobre a diversidade cultural, religiosa, sexual, política, etc, sob a égide "Uma reflexão tolerante no Dia da Filosofia ". Os alunos da minha colega (apesar de sermos cinco professores de Filosofia, só eu e a minha colega é que estivemos envolvidas no projecto) fizeram cartazes muito interessantes sobre a Filosofia, a sua utilidade ou inutilidade, os pensamentos, os filósofos, etc. Decoramos a escola com frases apelativas, projectamos umas imagens e umas frases provocativas em Powerpoint e distribuímos "pensamentos" pela comunidade escolar.
Sobre a campanha para a Associação de Estudantes, fiquei agradavelmente surpreendida com uns prospectos que me vieram parar às mãos de uma das listas, encabeçada por um dos meus alunos do 12º ano. Na declaração de intenções, a determinada altura, podia ler-se "A nossa vontade de ganhar estas eleições nunca se irá sobrepor à integridade moral e à dignidade do eleitor. Não vamos tratar os alunos como idiotas. O rebuçado não vai comprar o voto. O sistema de som não vai falar mais alto que as nossas ideias. Os pilares da nossa lista são ideais e valores dos quais não estamos dispostos a abdicar para ganhar umas simples eleições. O voto é a extensão mental da tua consciência. Não suplicamos o voto, sugerimos ideias. Se não partilhas delas, POR FAVOR NÃO VOTES." Gostei! Pode ser que esteja aqui o embrião de uma nova geração de políticos...
Fiquem bem!
Love and ligth!

terça-feira, novembro 14, 2006

Sem tempo...

Este pequeno post serve apenas para dizer que não me esqueci de vocês. Tenho estado muito atarefada, não só a preparar aulas como também a dinamizar o Dia Internacional da Filosofia e o Dia da Tolerância que se irão comemorar no próximo dia 16. Logo que esteja menos ocupada, prometo postar algo interessante (espero!) e passar pelos vossos blogs.
Love and ligth para todos!

sexta-feira, novembro 03, 2006

O aborto

A Maria do Maríita deu-me o mote para este post e Dom José Policarpo ajudou. Ouvi hoje nas notícias que Dom José Policarpo considera que os portugueses estão incomodados com o referendo sobre o aborto. Não sabia que os portugueses lhe tinham passado uma procuração para ele falar em nosso nome. Pela minha parte, não me sinto minimamente incomodada com o referendo sobre o aborto. Fico incomodada quando leio notícias de mulheres que morrem em consequência de abortos realizados em condições precárias, fico incomodada com o julgamento em praça pública de mulheres que recorrem a esse método, fico incomodada com a desgraça alheia. Portanto, agradeço a preocupação de Dom José Policarpo com a minha humilde pessoa, mas ele pode estar descansado que eu não me incomodo nada com o referendo sobre o aborto. Nesta questão do aborto há um facto que sempre me intrigou: porque razão é que são as mulheres as únicas a ser julgadas e condenadas? Por acaso engravidaram por geração espontânea? Já sei que alguns dirão que a decisão é única e exclusivamente da mulher. Tenho algumas reservas sobre isso. Diria que em muitos casos a decisão é conjunta e acredito mesmo que muitas o fazem por pressões, medo, ameaças da outra parte envolvida. Também já sei que outros acrescentarão que é impossível provar a posição do pai no processo a menos que o mesmo a declare de forma inequívoca. Em suma, a mulher arca com toda a responsabilidade. Verifiquei este facto junto dos meus alunos. Por norma, todos os anos, os convido a escreverem um texto argumentativo acerca de um assunto pertinente. Invariavelmente, muitos escolhem a questão do aborto e também eles se referem sempre à opção da mulher, à responsabilização da mulher, etc. Em muitos textos que li nestes últimos anos, uma ínfima parte alude ao homem como parte integrante do processo. Constatei, igualmente, e com alguma surpresa, confesso, que no que se refere ao aborto os adolescentes são, na sua maioria, contra. Alguns invocam razões de cariz religioso, outros, ético-morais ou então limitam-se a afirmar «que não o fizesse» (atenção, o uso do singular é esclarecedor). Alguns alunos conseguem discernir as várias facetas que envolvem esta questão e assumem-se contra em determinadas circunstâncias e a favor se se verificar perigo para a mulher, deficiente formação do feto ou violação. É apenas uma curiosidade que eu resolvi partilhar convosco. Parece que este assunto tem levantado celeuma que baste nos blogs onde facções necessariamente opostas têm esgrimido os seus argumentos de forma violenta. Respeito, como é óbvio e meu apanágio, as diferentes opiniões que há sobre o aborto. Detesto, porém, discursos falsamente moralistas ou sensacionalistas. É imprescindível que este assunto deixe de ser escamoteado e visto como um tabu e passe a ser encarado à luz da realidade do nosso país.
Love and ligth!