quinta-feira, agosto 31, 2006

A minha praia

A minha praia. Tenho saudades da imensidão do mar, do silêncio entrecortado apenas pelo barulho das ondas e de umas raras vozes ao longe.


Este foi o primeiro vislumbre que eu tive dela.

Os donos dos poucos carros que se observam na foto perdiam-se no imenso areal. Conclusão: paz total.

Love and light!

quarta-feira, agosto 30, 2006

As minhas reflexões pós-férias

Estou de volta e, antes de mais, gostaria de agradecer a todos aqueles que me desejaram umas boas férias. Estou pronta para começar um novo ano. Para mim, um novo ano começa sempre que tem início um novo ano lectivo que é quando conheço mais uma escola e caras novas. Mas não é sobre isso que eu quero falar, mas sim sobre como tudo muda e especialmente nós próprios. Durante a minha infância e adolescência passava férias com os meus pais e pareciam-me sempre curtas. Durante um mês inteirinho mudava de ares e de casa e à medida que as férias se repetiam o grupo de amigos ia ficando e crescendo de um ano para o outro. Já com os meus dezanove, vinte anos as férias já não se resumiam a dias inteiros passados na praia a esturricar ao sol, mas também a noites longas nos bares e discotecas da zona. Havia também a tradição de todas as quintas-feiras à tarde atravessarmos, num bote a cair de velho, a ria, até a uma tasca conhecida pela Bruxa e bebermos um monte de "bruxinhas" e cervejão. O mais complicado era a viagem de regresso por causa do ondular do bote... Esta ida à Bruxa era um clássico. Não sei se a tradição se mantém. Quando comecei a trabalhar e, consequentemente, a ganhar o meu dinheiro comecei a ir de férias com os meus amigos. Aí já não podia ficar um mês porque o dinheiro não dava para tudo mas tentava sempre ficar, pelo menos, quinze dias e ainda assim sabia-me a pouco. Nesta altura, já não passava os dias a esturricar ao sol porque passava a noite na discoteca e chegava sempre ao fim das férias frustradíssima por não estar bronzeada. Infelizmente, não tinha o dom da ubiquidade para poder estar na praia e na cama ao mesmo tempo. Dormir na praia era uma hipótese mas o problema é que para dormir preciso de escuridão absoluta. Claro que o destino preferido era o Algarve, de preferência Albufeira, porque quanto mais confusão melhor. Hoje em dia, mais de sete dias de férias e eu já começo a ficar farta. Sinto falta dos meus livros e dos meus cds e, nem de propósito, tenho sempre uma vontade repentina de ler aquele livro que agora não tenho à mão mas que está em casa ou então de ouvir aquela música especial. Agora, para acrescer, também tenho saudades dos meus novos amigos dos blogs mas resisti à tentação, apesar de no sítio onde eu estava de férias haver net point. Os destinos de preferência também mudaram e agora procuro locais mais calmos e já nem consigo ficar um dia a esturricar ao sol (duas horas na praia e já fico cheia...), nem posso passar uma noite inteira na discoteca. Aliás, estou a escrever isto e a lembrar-me daquela publicidade que diz «aos vinte... aos trinta...». É incrível como mudamos tanto mas penso que é a isso que se chama amadurecimento. Lembro-me de ter vinte anos e estar na discoteca e comentar com as minhas amigas «olhem para aqueles trintões»; agora, eu própria pertenço a essa faixa etária e interrogo-me se os outros dirão o mesmo de mim. O tempo é irreversível e com ele também os hábitos mudam. Foi isso que se passou comigo e que se passa, porventura, com outros, mas, de quando em quando, ainda tenho saudades desse tempo de loucura. Ainda bem que tenho as fotografias para relembrar o passado.
Love and light!

sexta-feira, agosto 18, 2006

Filtro solar

Vou estar uns dias ausente porque (finalmente!) também eu vou de férias. Não queria, no entanto, ir, sem deixar de partilhar, com quem me visita, o texto que se segue. O texto foi retirado de um cd que me foi oferecido por uma grande amiga minha e que o arranjou no Brasil. O nome do cd é Filtro Solar e contém alguns textos escritos e declamados por artistas brasileiros. Fica aqui o texto que dá o nome ao cd - Filtro Solar (eu diria, para usar no Verão e não só...). Com a música e a voz do Pedro Bial é muito mais bonito mas, infelizmente, não sei colocar música no blog.
Filtro Solar
Senhoras e Senhores da turma de 2003
Filtro Solar
Nunca deixem de usar filtro solar
Se eu pudesse dar só uma dica sobre o futuro seria esta: use filtro solar
Os benefícios a longo prazo do uso de filtro solar estão provados e comprovados pela ciência
Já o resto de meus conselhos não têm outra base confiável além de minha própria experiência errante
Mas agora eu vou compartilhar esses conselhos com vocês.
Aproveite bem, o máximo que puder, o poder e a beleza da juventude
Ou então esquece
Você nunca vai entender mesmo o poder e a beleza da juventude até que tenham se apagado, mas pode crer, daqui a vinte anos você vai evocar suas fotos e perceber de um jeito que você nem desconfia hoje em dia, quantas, tantas alternativas se escancaravam à sua frente e como você realmente estava com tudo em cima
Você não está gordo ou gorda
Não se preocupe com o futuro ou então preocupe-se, se quiser, mas saiba que preocupação é tão eficaz quanto mascar chiclet para tentar resolver uma equação de álgebra
As encrencas de verdade em sua vida têm a ver com coisas que nunca passaram pela sua cabeça preocupada e te pegam no ponto fraco às quatro da tarde de uma terça-feira modorrenta
Todo o dia enfrente, pelo menos, uma coisa que te meta medo de verdade
Cante
Não seja leviano com o coração dos outros
Não ature gente de coração leviano
Use fio dental
Não perca tempo com inveja
Às vezes se está por cima, às vezes por baixo
A peleja é longa e no fim é só você contra você mesmo
Não esqueça os elogios que recebeu
Esqueça as ofensas ( se conseguir isso, me ensine)
Guarde as antigas cartas de amor
Jogue fora os extractos bancários velhos
Estique-se
Não se sinta culpado por não saber o que fazer da vida
As pessoas mais interessantes que eu conheço não sabiam aos vinte e dois o que queriam fazer da vida
Alguns dos quarentões mais interessantes que conheço ainda não sabem
Tome bastante cálcio
Seja cuidadoso com os joelhos, você vai sentir falta deles
Talvez você case, talvez não
Talvez tenha filhos, talvez não
Talvez se divorcie aos quarenta
Talvez dance ciranda em suas bodas de diamante
Faça o que quiser
Não se auto-congratule demais
Não seja severo demais com você
As suas escolhas têm sempre metade das chances de dar certo, é assim com todo o mundo
Desfrute de seu corpo, use-o de toda a maneira que puder mesmo
Não tenha medo de de seu corpo ou do outras pessoas possam achar dele
É o mais incrível instrumento que você jamais vai possuir
Dance mesmo que não tenha onde além do seu próprio quarto
Leia as instruções mesmo que não vá segui-las depois
Não leia revistas de beleza
Elas só vão fazer você se achar feio
Dedique-se a conhecer seus pais
É impossível prever quando eles estarão indo embora de vez
Seja legal com os seus irmãos
Eles são a melhor ponte com o seu passado e possivelmente quem vai sempre mesmo te apoiar no futuro
Entenda que amigos vão e vêm, mas nunca abra mão de uns poucos e bons
Esforçe-se de verdade para diminuir as distâncias geográficas e de estilos de vida porque quanto mais velho você ficar, mais você vai precisar das pessoas que conheceu quando jovem
More uma vez em Nova Iorque mas vá embora antes de endurecer
More uma vez na Baía mas se mande antes de amolecer
Viaje
Aceite verdade inescapáveis
Os preços vão subir
Os políticos vão saracotear
Você também vai envelhecer e quando isso acontecer você vai fantasiar que quando era jovem os preços eram razoáveis, os políticos eram decentes e as crianças respeitavam os mais velhos
Respeite os mais velhos e não espere que ninguém segure sua barra
Talvez você arranje uma boa aposentadoria privada
Talvez case com um bom partido
Mas não esqueça que um dos dois pode de repente acabar
Não mexa demais nos cabelos senão quando você chegar aos quarenta vai aparentar oitenta e cinco
Cuidado com os conselhos que comprar, mas seja paciente com aqueles que os oferecem
Conselho é uma forma de nostalgia
Compartilhar conselhos é um jeito de investigar o passado no lixo, esfregá-lo, repintar as partes feias e reciclar tudo por mais do que vale
Mas no filtro solar, acredite!
Pedro Bial
Carpe diem!
Love and light!

quinta-feira, agosto 17, 2006

Uma saída (conclusão)

"(...) Tento disfarçar o meu entusiasmo e digo qualquer coisa sem interesse à Joana, enquanto pelo canto do olho vejo o vocalista a dar novas indicações aos restantes elementos da banda. O espectáculo continua e, de quando em quando, ele olha para mim e eu começo a achar piada à situação. No final, volto a bater palmas com força. Entretanto, a minha amiga enfia o braço dela no meu e conduz-me de regresso ao balcão do bar. Desta vez é ela a pedir mais dois Bacardis que o «meu barman» regista prontamente no cartão. Atira-me um sorriso e pisca o olho, enquanto atende outros clientes. Quando me viro para abandonar o balcão deparo com o fulano da banda mesmo à minha frente. Tem um copo de cerveja na mão e um sorriso malandro a bailar-lhe nos lábios.
- Tudo bem? - diz, em jeito de cumprimento.
Sou apanhada de surpresa e balbucio uma espécie de resposta também à laia de cumprimento.
- Percebi que gostas de música ou será que me enganei?
- Não, não te enganaste - respondo - Cantas muito bem - aproveito para acrescentar.
- Obrigada - agradece.
Fazemos as apresentações e conversamos um pouco. Enquanto isso, a Joana, impaciente e fartinha de estar ali, propõe que estiquemos a noite e que façamos uma paragem no Alabastro Bar (nota- o único Alabastro Bar que eu conheci ficava no Algarve. Este é inspirado nesse local). O Alabastro é um bar enorme que está aberto, pelo menos, até às quatro da manhã e que tem D.J. e pista de dança. A primeira vez que eu lá fui, à saída, perguntei ao porteiro porque é que aquele local se chamava Alabastro Bar, uma vez que eu não conseguia ver nenhuma diferença entre aquele local e uma discoteca. Ele respondeu-me que se chamava assim porque era um bar. Eu insisti, reiterando a minha ideia de que aquele sítio apresentava as características de uma discoteca. Ele, obtuso, volta a afirmar que é um bar porque se chama Alabastro Bar. Eu digo-lhe que o que ele acaba de fazer é uma petição de princípio e ele fita-me, boquiaberto, talvez julgando-me maluca. Afasto-me dizendo, teimosamente, que aquilo é uma discoteca.
Mais tarde, um amigo informou-me que o Alabastro era considerado bar porque só tinha autorização para estar aberto até às quatro da manhã. Considero que teria sido muito mais simples se o porteiro me tivesse dito isso.
Hesito acerca da sugestão da Joana e penso que tenho mesmo que me deitar cedo porque combinei com as minhas colegas de estágio um encontro para o dia seguinte para elaborarmos uns famigerados testes formativos, mas a minha amiga insiste, secundada pelo Luís (assim se chama o vocalista) que utiliza argumentos pouco plausíveis, do género «eu telefono-te amanhã, para te acordar». Imagino logo que aquilo é apenas uma desculpa para ficar com o meu número de telemóvel, mas acabo por aceder em acompanhá-los. O problema da noite é exactamente este: uma vez na noite é preciso uma grande força de vontade para voltar para casa quando todos os outros se ficam a divertir. Pagamos o consumo e eu aceno um adeus ao barman que finge ficar triste por eu estar de saída. Empurramos a porta e caminhamos para mais uma noite de loucura."
Boa noite!
Love and light!

quarta-feira, agosto 16, 2006

Uma saída

Hoje também o tempo ajuda à minha vaga de reminiscências. Está um dia cinzento e uma chuva miudinha a adivinhar o final do Verão. E eu que ainda não fui de férias... Aqui ficam as recordações, como sempre, pintalgadas pela imaginação. O bar mencionado não existe (pelo menos, em Coimbra).
"Estou no meu quarto, diante do espelho do armário que me devolve a minha imagem reflectida. Aproximo-me mais e descubro uma inoportuna borbulha no queixo. Uso o lápis corrector e esbato com a ponta dos dedos o excesso de creme. Volto a afastar-me e contemplo-me: o piercing que tenho no umbigo brilha e eu passo levemente a mão por cima dele. O meu piercing tem uma história e foi feito quando eu me apaixonei perdidamente por um rapaz angolano, doce como um dia cálido de Primavera. Acho que estávamos fascinados pelo tom de pele um do outro, pela conjugação do marfim e do ébano e pela sensação que isso provocava em nós. Um dia, decidimos selar o nosso encontro e, em vez de trocarmos alianças, hábito que eu achava detestável, fizemos piercings. Afago-o com carinho enquanto aquelas lembranças me acodem à memória e penso que se não tivéssemos decidido seguir os nossos próprios caminhos, era possível que hoje eu vivesse em Luanda e não na pacífica cidade de Coimbra. No entanto, não foi o medo da violência, da corrupção, da degradação da cidade que me impediram de o acompanhar de regresso à sua terra natal. Foi antes o receio de uma cultura diferente daquela a que eu estava habituada e no seio da qual me tinha tornado gente. Eu que me considerava um baluarte na defesa das minorias, no ataque feroz à xenofobia e ao racismo e na promoção do multiculturalismo, repentinamente ficava apreensiva só com a ideia de viver num país que não fosse aquele onde eu tinha crescido. Não fiquei magoada por ele ter ido sem mim porque compreendi que teambém ele não podia viver para sempre fora da sua terra. Assim, guardei-o na gaveta das recordações reconfortantes e fechei mais um capítulo da minha vida. Isto tinha acontecido há mais de meio ano e desde aí eu não voltara a sair com ninguém. Apetecia-me passar um tempo entregue a mim mesma e ao meu mundo onírico que me alimentava sempre que a tristeza ou a lassidão se apossavam de mim. Os papéis soltos que se acumulavam na minha secretária eram os fiéis depositários desse meu estado de espírito. Hoje, no entanto, acedi aos insistentes apelos da minha amiga Joana e decidi acompanhá-la até a um bar.
Descemos a rua inclinada da minha casa e desembocamos na Praça da República; dali até ao bar são apenas umas centenas de metros o que nos possibilita um agradável passeio a pé para respirar o ar fresco da noite. Apesar de estarmos em Setembro, o tempo continua quente e seco e em Coimbra isso faz-se sentir de uma forma ainda mais intensa e só mesmo a noite acalma a opressiva temperatura. As ruas não apresentam o habitual movimento do tempo de aulas e alguns cafés encontram-se mesmo semi-desertos. É uma cidade pela qual me apaixonei . Gosto das ruas estreitas, talhadas em pedra e ladeadas por fileiras de pequenas casas que se acotovelam. Acho romântico o Jardim da Sereia e o Penedo da Saudade. Adoro o lamento triste das violas que, às vezes, chega até ao meu quarto, levado por uma onda suave de vento. Neste momento, não me imagino a viver em nenhuma outra cidade, ideia que enfurece a minha mãe que considera que eu devo voltar ao sítio onde sempre vivi, assim que termine o estágio. É um problema que eu sei que vou ter de resolver daqui a uns meses.
Chegamos à porta do bar e eu abandono estes pensamentos. Abro caminho, com cuidado, pelo meio de alguns grupos que àquela hora já preenchem o local e dirijo-me ao balcão para pedir uma bebida. Tenho que esperar atrás de uma morena alta e perfumada que haja uma brecha para me poder abeirar, o que acontece daí a uns segundos. Peço um Bacardi, prontamente servido pelo barman, que mo entrega com um sorriso. Estendo-lhe o cartão de consumo que me foi entregue à entrada e ele marca diligentemente uma cruz na respectiva coluna. Devolve-me o cartão e volta a sorrir-me. Eu retribuo e afasto-me, dando lugar a um indivíduo mal encarado. Olho em redor em busca da Joana, mas não a consigo avistar. Terá, certamente, encontrado alguém com quem trocar meia-dúzia de frases, o que não é nada difícil porque ela conhece dezenas de pessoas. Dou um pequeno gole na minha bebida e deixo correr os olhos pelo ambiente. O bar é novo mas não me agrada por aí além, revelando um pretensiosismo barroco com dourados a mais para o meu singelo gosto. Nuns nichos entrecortados na parede repousam alegados deuses do panteão hindu e, num esforço de visão, reconheço Vixnu. A um canto está montado um pequeno palco, que de momento se encontra vazio, apenas com os instrumentos, aguardando pelos seus legítimos donos. Dou mais um gole no meu Bacardi e encolho-me, tentando passar no meio de dois grupos barulhentos. Finalmente, vislumbro a Joana que pelo seu esticar de pescoço também deve andar à minha procura. Aceno-lhe e ela vem ao meu encontro. Aproveito para lhe dizer que o bar não me agrada e que me apetece ir embora. Ela ralha-me e convence-me a ficar, pelo menos, até começar a actuação da banda. Finjo que amuo e termino o Bacardi que aquece no copo. Volto ao balcão e desta vez não tenho que esperar. O barman que me atendera anteriormente volta a abrir um sorriso no rosto bonito e eu faço o meu pedido, dando-lhe novamente o cartão de consumo.
- São os dois para ti? - pergunta-me.
Apetece-me responder-lhe com um «achas?» mas decido não fazê-lo. Educadamente, informo-o que uma das bebidas se destina a uma amiga. Ele prolonga o olhar dele mais tempo do que o necessário no meu rosto e marca uma cruz no cartão - Posso saber o teu nome? - pergunta, afoito.
- Mel.
- Nell? - repete ele, mas trocando o «m» pelo «n» e dando uma entoação inglesa ao nome.
- Não. Mel - volto a dizer, habituada já à confusão - Como o das abelhas.
-Ah! Não costumas vir cá, pois não?
- Não, foi uma amiga que me trouxe - digo.
- Fez ela muito bem.
- Talvez- deixo escapar. Pouso os meus olhos nos dele e agarro nas duas bebidas - Obrigada.
- Não desapareças!
Eu rio-me e afasto-me de encontro à Joana. Iniciamos uma conversa sobre empregados de bar atrevidos, até se fazerem ouvir os primeiros acordes de uma guitarra. A primeira música é um cover de James Brown que não me entusiasma por aí além apesar de reconhecer que está bem interpretado. No final ouvem-se alguns aplausos e o vocalista agradece. Seguem-se outras músicas, mais ou menos conhecidas, e enquanto isso eu vou trocando olhares furtivos com o barman. Não que esteja especialmente interessada nele, mas apenas porque isso preenche a minha necessidade de auto-estima. Ouço com agrado a música que começa, um clássico que eu adoro, e no final aplaudo entusiasticamente. Pressinto que talvez tenha exagerado na minha manifestação de satisfação porque noto que o vocalista me fita com uma expressão divertida no rosto."
Continuo logo porque agora aguardam-me tarefas inadiáveis. Até lá!
Love and light!

segunda-feira, agosto 14, 2006

Rectificação

No post anterior onde se lê «transsexual» deve ler-se «transexual». Rectificação feita.

domingo, agosto 13, 2006

Os assassinos cresceram

O título deste post é plagiado da revista "Sábado" da semana passada e refere-se às duas crianças inglesas que em 1993 mataram James Bulger, um bébé de dois anos. Lembram-se? Na altura, foram julgados como adultos e condenados a uma pena de 15 anos. Cumpriram 8 anos e foram libertados por bom comportamento. Na revista "Sábado" pode ler-se «Segundo os técnicos, a evolução dos rapazes foi notável. Tornaram-se modelos para os detidos mais jovens. Aos 24 anos, são aparentemente adultos normais, mas carregam o sentimento de culpa. Os psiquiatras que os acompanharam acreditam que a vergonha e o remorso destes jovens adultos os tornam pouco perigosos para a sociedade.» Este caso chocou-me tremendamente na altura e volvida mais de uma década continua a chocar-me. Estou convencida que rapazes de 10 anos sabem que se baterem com uma barra de ferro de 10 kilos num bébé o vão ferir profundamente. Não sei se eles se reabilitaram ou não. Cumpriram sensivelmente metade da pena e, neste momento, têm uma nova vida, uma nova identidade, num local qualquer do globo. Mas não é isso que está em causa. O problema é que este artigo fez-me lembrar o grupo de adolescentes portugueses que atacou repetidamente um transsexual de nome Gisberta (atenção, adolescentes e não crianças) o que resultou na sua morte. Ora, quer-me parecer que também aqui eles sabiam muito bem o que estavam a fazer. A diferença é que no caso das crianças inglesas, estas foram condenadas a uma efectiva pena de prisão e no caso dos adolescentes portugueses, serão internados numa casa de correcção durante uns meses (não sei ao certo quantos meses). Acho que falta coragem à justiça portuguesa, mas quem sou eu?
Por agora, fico por aqui. Hoje estou com pouco tempo. Até amanhã!
Love and light!

sexta-feira, agosto 11, 2006

Os melhores amigos do homem

O abandono dos animais é uma coisa que me entristece profundamente. Nesta altura do ano, dizem as estatísticas, ele aumenta. Eu penso que o abandono acontece durante todo o ano. A cena mais pungente a que eu assisti aconteceu o ano passado junto ao sítio onde eu moro. Era de noite quando ouvi um chiar de travões. Assomei à varanda e ainda fui a tempo de ver um carro a arrancar a todo o gás. No seu encalço, disparou um cão, numa corrida desenfreada. Fiquei especada sem saber muito bem o que acontecera até me aperceber que o animal estava de volta. Quando parou mesmo por baixo da minha varanda verifiquei com consternação que era um husky siberiano. O meu coração caiu-me aos pés. Também eu tenho um husky siberiano (na foto ao lado). Lançou um uivo lancinante e as lágrimas vieram-me imediatamente aos olhos. Voltara ao local onde acabara de ser abandonado. Fiquei sem saber o que fazer enquanto o meu cão andava histérico de um lado para o outro da varanda. Entretanto passou um senhor, dono de um restaurante na rua, e perguntou o que acontecera. Expliquei-lhe e ele disse para eu ficar com ele. «Não posso» respondi «O meu cão é muito agressivo para os outros». De facto, o meu husky é uma meiguice com as pessoas, mas não pode estar mais de cinco minutos ao pé de outro cão sem lhe tentar morder. O senhor disse que o máximo que podia fazer era levá-lo para o terreno anexo ao restaurante e dar-lhe de comer. Fiquei parcialmente aliviada porque conhecendo os huskies como conheço sei que para eles a presença humana é muito importante. Escusado será dizer que nessa noite não dormi nada de jeito. No dia seguinte o senhor informou-me que quando chegara de manhã ao restaurante, ele já não estava no terreno (o terreno não é completamente vedado). Nunca mais vi o husky, mas nunca esqueci aquele uivo terrível.
Os animais não são umas "coisas engraçadinhas" que se deitam fora quando crescem ou começam a dar muito trabalho. Os animais não são descartáveis. O meu husky é muito exigente mas nem por isso me passa pela cabeça desembaraçar-me dele. Como era possível eu abandonar uma coisa tão bonita? Mas ainda que fosse um farrusco cheio de bigodes, para mim continuaria a ser lindo!
Love and ligth!

quarta-feira, agosto 09, 2006

A minha paixão pela noite

Continuo numa maré de recordações. Deve ser o efeito das férias. Quando fico muito parada dá-me para relembrar o passado. Todos os nomes são fictícios mas aludem a pessoas reais.
"A minha paixão pela noite começou cedo. «Filha, desliga a luz que já é tarde. Olha que te faz mal ficares até tão tarde acordada» dizia a minha mãe, zelosa, quando eu ainda andava no secundário. Nessa altura, as minhas incursões pela noite dentro faziam-se à custa dos livros que eu devorava num ápice e das histórias que ensaiava escrever e nunca terminava. Quando entrei na faculdade e fui estudar para Coimbra, tinha saído à noite duas escassas vezes e com uma autorização concedida quase por decreto. No meu primeiro ano fora de casa vivi numa espécie de residência para meninas e tinha como senhoria a Dona Cremilde que teria possivelmente oitenta anos e outrora fora uma grande senhora da sociedade coimbrã. A Dona Cremilde tinha uma empregada que era a Maria da Purificação que a ajudava a manter a casa e as suas hóspedes em perfeita ordem. Ao todo éramos dez e a única altura do ano em que podíamos sair sem restrições era durante a semana da Queima das Fitas porque durante o resto do tempo tínhamos que estar em casa, sem falta, à meia-noite. Durante esse meu primeiro ano, despertei para uma outra vida que ainda não conhecia. Arranjei o meu primeiro namorado a sério, perdi a virgindade, estreei-me no álcool e passei a vestir-me toda de preto. Era o meu grito de Ipiranga. Logo que esse ano lectivo chegou ao fim, tratei de procurar um sítio onde tivesse mais liberdade e que pudesse arranjar ao meu gosto. Aluguei um quarto num apartamento onde já viviam duas raparigas, não sem antes ter tido uma grande discussão com a minha mãe que considerava que eu estava muito bem em casa da Dona Cremilde. Tornei-me logo amiga da Maria e da Cláudia e começámos a fazer tertúlias todos os domingos à noite, quando chegávamos de fim-de-semana. Nessa altura, eu estava altamente imbuída de um forte espírito patriótico e lia tudo o que fosse português, desde o inevitável Fernando Pessoa, a José Régio e Mário de Sá-Carneiro. Trocávamos poemas e discutíamos grandes ideais. Depois eu descobri Florbela Espanca e fiquei fascinada com a tristeza quase palpável que emanava dos seus sonetos. Virava as noites a rabiscar febrilmente em papéis e a ouvir The Cure e Smiths. Foi no princípio do meu terceiro ano em Coimbra que tive o meu grande desgosto amoroso: era trocada por uma caloira que acabara de chegar à cidade. Aí, abriu-se um outro mundo e passei a conhecer uma outra dimensão da noite, mais profunda, mais inquietante - a noite dos bares e das discotecas, das festas constantes, dos engates fáceis. À medida que me ia deitando cada vez mais tarde, ou cedo, na perspectiva de quem de quem se cruzava connosco, de saída para mais um dia de trabalho, passei a ir menos à faculdade. A faculdade pertencia a uma outra realidade que já nada me dizia e com a qual não me sentia minimamente identificada. Continuava a gostar do meu curso, mas em casa, lendo os livros aconselhados pelos professores no refúgio do meu quarto, sem ter que me sujeitar a horários ou à companhia de alguns colegas meus devoradores de fotocópias. Passei, assim, a viver muito na noite. Muitas vezes, interrogava-me porque é que a noite exercia este estranho efeito sobre mim. Porque é que o dia não tinha a mesma magia? A justificação que eu dava para isso tinha a ver com a luz; a luz do dia é crua e eu considerava que isso afectava a própria atitude das pessoas. Ficavam todas demasiado preocupadas com as aparências. A luz da noite era companheira de actos mais autênticos e revelava a verdadeira essência das pessoas. Nos meus primeiros anos de faculdade, lembro-me de escrever uma ode à lua. Era um poema um bocado piroso, mas pondo de lado a má qualidade a substância estava lá. A noite encobre, mas também desvela; torna tudo atraente, sedutor mas, por vezes, também mais real e verdadeiro. Hoje em dia, por motivos diversos, já não faço da noite dia mas, de quando em quando, tenho saudades."
Por agora, é tudo. Pode ser que logo volte com mais memórias. Até lá!
Love and ligth!

terça-feira, agosto 08, 2006

Perseguidos?

Vivo num prédio e há coisa de seis meses um apartamento que estava para alugar foi arrendado por dois fulanos. Colocaram cortinas às cores nas janelas e na varanda penduraram um pano com risquinhas de várias tonalidades. Um dia, um vizinho meu, quando um deles ia a sair do prédio comenta «não enganas ninguém, não» e eu fico a pensar se ele disse aquilo por achar que eles são homossexuais. Devo confessar que até aí nunca me passara pela cabeça que eles fossem homossexuais mas num precipitar de revelações, um dia, quando assistia ao telejornal lá estava a tal bandeirinha às riscas numa "parade" de orgulho gay. Continuei a vê-los exactamente da mesma forma; não tenho preconceitos nenhuns acerca disso. Passados uns tempos, comecei a aperceber-me de um movimento inusitado no prédio, a porta de entrada sempre aberta e sempre que eu chegava de carro parecia que havia sempre algum homem à entrada, de telemóvel na mão à espera de subir até ao dito apartamento. O prédio começou a estar sujo, cheio de beatas no chão e um dia encontramos o elevador com um cheiro nauseabundo e um dos vizinhos disse que era cheiro de urina. Ora, tudo isto começou a ser atribuído aos inquilinos do 1º andar. Eu questionei-me se seria mesmo assim; os fulanos tinham bom aspecto e eram educados. Comecei a achar que eles estavam a ser perseguidos pela sua orientação sexual, mas lentamente as evidências foram-se acumulando. Já não havia dúvidas que eles recebiam em casa . Marcou-se uma assembleia de condóminos para decidir o que fazer e eu só pensava que tudo isto me fazia lembrar o filme Philadelphia: no fundo, o Tom Hanks não foi despedido por ter sida mas sim por ser homossexual. Aqui, parecia-me que se queria correr com eles do prédio não por estarem a utilizar o apartamento para outros fins que não o da habitação, mas por serem homossexuais. Antevia-se uma assembleia de condóminos escaldante mas a situação acabou por se resolver naturalmente quando surgiu uma placa com «arrenda-se» numa das janelas do apartamento deles. Eles iam sair talvez por sua própria iniciativa ou talvez sob coacção, uma vez que chegou a estar colado um post it no elevador, escrito por um qualquer condómino, a dizer que eles não eram bem vindos. Fiquei com pena porque a mim nunca me incomodaram. Não posso esconder que também a mim me preocupava a porta constantemente aberta e o movimento de pessoas estranhas ao prédio, mas penso que se poderia ter falado com eles ao invés de mandar bocas e fazer ameaças. Note-se que a média de idades das pessoas que vivem no meu prédio é capaz de rondar os trinta anos e quase todos têm formação superior. Parece que a discriminação não é feita só pelos mais velhos ou pelos ignorantes.
Love and light!

segunda-feira, agosto 07, 2006

A minha primeira aula (conclusão)

Cá estou eu para continuar a minha saga dentro de uma sala de aulas.
" - S'tora, pode chegar aqui?
Volto a cabeça e deparo com um dedo espetado no ar. O seu dono tem um cabelo cheio de caracóis alourados e um ar rebelde estampado no rosto. Aproximo-me da carteira dele, tentando imaginar o que me irá perguntar.
- S'tora, já descobri o seu nome - atira ele com um ar atrevido.
Eu nem quero acreditar que ele me chamou para me dizer aquilo - Como é que te chamas? - inquiro para ganhar tempo.
- Lindorfo, mas todos me chamam Lindo. A s'tora também me vai chamar assim, não vai? - pergunta como se estivesse a lançar um desafio. Soam risos na sala e tento sair airosamente da rasteira que ele me passou - Se já descobriste o meu nome deves ter percebido que ainda assim não é tão mau como o teu - fito-o directamente nos olhos grandes e redondos que juntamente com os caracóis lhe dão um ar de boneco e concluo - Portanto, a ti chamam-te Lindo e a mim Mel, certo? - por momentos, acho que fui rude demais e que ele pode ter ficado ofendido comigo, mas ele abre um sorriso largo no rosto e diz em jeito de resposta - Certo, s'tora. Já agora, que idade é que tem?
Apetece-me perguntar-lhe o que é que ele tem a ver com isso, mas mudo de ideia e respondo suficientemente alto para que todos possam ouvir - A idade suficiente para ser vossa professora e por falar nisso que tal se passassemos às regras de funcionamento da sala de aulas? - coloco o ênfase na palavra «regras» e decido começar com o discurso que preparei na véspera - Em primeiro lugar, gostaria que todos fossem pontuais e que não façam dos atrasos uma constante. Quem se atrasar por sistema terá falta no livro de ponto.
- O que é atrasar-se por sistema? - pergunta um aluno com uma expressão enternecedoramente cómica.
- Como é que te chamas?
- Fernando.
- Fernando, custa-me a crer que um aluno do 11ºano não saiba o que é atrasar-se por sistema.
- S'tora, eu sei o que é atrasar-se sempre, mas não sabia que isso é atrasar-se por sistema.
Voltam a ouvir-se risos e eu resolvo não dar muita importância ao assunto. Assim, digo de uma forma natural - Agora já sabes. Em segundo lugar, gostaria que não mantivessem conversas transversais durante a aula e especialmente quando eu estiver a explicar a matéria.
- S'tora, o que são conversas transversais? - a voz pertence ao mesmo aluno e eu começo a perder a paciência. Percebo que ele está a tentar ser engraçado ou, se calhar, a testar os meus limites - Quando tiveres uma conversa dessas, não te preocupes que eu aviso-te - preparo-me para continuar, mas ele insiste - Ó s'tora, mas eu quero saber agora o que é, que é para não a ter.
Alguns alunos atiram-lhe comentários do tipo «Anjinho!» e eu considero que tenho que ser mais firme e directa - Ok, vamos falar de uma forma que todos entendam: não quero atrasos, não quero que falem uns com os outros durante a aula e escusam de me perguntar se têm de ficar o tempo todo em silêncio porque a resposta é obviamente negativa. Quando eu digo que quero silêncio na sala de aulas estou a referir-me, como é natural, ao facto de terem de estar atentos quando eu estiver a explicar a matéria. Como é lógico, eu não faço intenção de passar uma aula inteira a falar sem parar. Irei tentar diversificar as estratégias ao longo das aulas.
Uma aluna de óculos cor-de-rosa põe um dedo no ar.
- Como te chamas? - pergunto.
- Chamo-me Cátia. S'tora, vamos ver alguns filmes este ano?
- Vamos - respondo eu prontamente e logo a seguir penso que tenho de arranjar urgentemente um filme que esteja relacionado com algum tema da matéria.
- Que fixe! - exclamam meia-dúzia de alunos.
- Continuando com as regras de funcionamento da sala de aulas, quando alguém quiser intervir, primeiro põe o dedo no ar, como fez a Cátia, e espera a sua vez pera falar.
Imediatamente surge um dedo e verifico que pertence ao Lindorfo - S'tora, também vamos ouvir música?
- Quem sabe... respondo eu de uma forma evasiva, não querendo outra vez comprometer-me.
- Ó s'tora... - continua ele.
- Dedo!
- Ah! Desculpe - aponta o dedo para o tecto e prossegue - S'tora, de que tipo de música é que gosta?
Fico calada durante uns breves instantes enquanto lhe lanço um olhar contemplativo e mais uma vez resolvo ser directa - A minha idade e o tipo de música de que eu gosto não te interessam.
- Eh Lindo! - gozam os outros
- Que foi? - pergunta ele encarando os colegas e voltando a olhar para mim continua - Não, sabe o que é s'tora... é que eu nunca tive assim uma s'tora... e, prontos, 'tá a ver?
- Não, não estou a ver - digo friamente - Independentemente da minha idade e dos meus gostos musicais sou a vossa professora e, portanto, espero que as vossas perguntas estejam directamente relacionadas com a disciplina.
- Desculpe, s'tora.
- Vamos então continuar e sem interrupções desnecessárias - apresento mais algumas regras e passo sem delongas para os objectivos e conteúdos do programa. Subitamente sou sobressaltada pelo toque da campainha e, espantada, percebo que a aula chegou ao fim. Recolho rapidamente as fichas preenchidas e os alunos começam imediatamente a atirar os cadernos para dentro das mochilas e eu reúno igualmente os meus livros e coloco-os debaixo do braço. Alguns lançam-me um «Até amanhã, s'tora». Suspiro de alívio e consciencializo que sobrevivi ao meu primeiro teste. Enquanto fecho a porta da sala pondero se lidei bem com todas as situações que me surgiram e imediatamente se levantam algumas dúvidas: será que fui antipática demais ou, pelo contrário, terei dado muita confiança? O que é que eles terão achado de mim? Continuo absorta nos meus pensamentos e só volto à realidade quando ouço uma voz que me pergunta - Então, que tal correu?
Olho para o lado e deparo com a Maria João, minha colega de estágio - Olá! Vinha mesmo a pensar nisso. Acho que correu bem.
- Óptimo. A minha também correu bem.
Caminhamos par a par, trocando impressões sobre as respectivas turmas e enquanto isso eu vou olhando de relance para a maneira como ela traja: um tailleur que faria as delícias da minha mãe e a indispensável pasta. Imediatamente estabeleço uma comparação com a minha própria indumentária. Começo a perceber o que é que o Lindorfo queria dizer e dá-me uma vontade incontrolável de rir - Desculpa - digo após soltar uma gargalhada - Acho que estou a libertar toda a adrenalina acumulada durante a aula - Dou mais uma risada enquanto a Maria João me lança um olhar complacente e interiormente penso que me apetece sair dali o mais rápido possível e voltar ao meu mundo."
Hoje fico por aqui. Estou cansada. Fiquem bem.
Love and light!

A guerra

Ultimamente, grande parte dos blocos informativos são dedicadas ao conflito entre Israel e Líbano. É mais uma guerra entre tantas que quase desde sempre têm grassado naquela zona. Alguém me perguntava no outro dia « mas esta guerra começou mesmo porquê?» e quando tentei explicar dei por mim sem o conseguir fazer. Como é que se podem explicar estas coisas? Porque o Líbano tem em seu poder uns israelitas?!! Porque tudo começou por causa disso ou estarei enganada? Não estou aqui a tomar partido por nenhum dos lados até porque para fazer isso teria que ter mais conhecimento de causa do que aquele que possuo. O que me interessa é o lado humano da questão. Para nós, que estamos longe, é mais uma guerra num sítio distante do mundo mas quando tento imaginar o que aquelas pessoas estão a passar, de repente, parece que as distâncias se encurtam. Deve ser um pesadelo ouvir as sirenes a tocar e ter que correr à procura de um abrigo; deve ser um horror ver a nossa casa, a nossa rua, a nossa cidade destruídas; deve ser uma tragédia ver pessoas a morrerem à nossa volta. Às vezes, vejo as pessoas a aborrecerem-se por coisas tão mesquinhas (eu, que não sou melhor do que ninguém, também me aborreço por coisas pequenas) e penso «como é que não hão-de existir guerras no mundo?»
A guerra, infelizmente, faz parte da essência do homem. No século IV a.C. Sun Tzu disse «A guerra é um assunto de suprema importância para o Estado. É uma questão de vida ou morte, o caminho para sobrevivência ou para a ruína.» ( in Sun Tzu, A arte de guerra). Volvidos alguns séculos, Maquiavel afirma «Portanto, um príncipe não deve ter outro objectivo nem outro pensamento, nem tomar a peito outra matéria, que não seja a arte da guerra e a organização e a disciplina militares, pois trata-se da única arte que pertence aos que comandam e tem tão grande poder que mantém não só os que de estirpe são príncipes, como também, não raro, permite alcançar tal dignidade a homens de condição simples.» (in O Príncipe, Maquiavel)
Que pensar quando séculos de pensamento elogiam a guerra?
Volto mais logo com um assunto mais "light" - as minhas aventuras na escola. Até já!
Love and light!

sábado, agosto 05, 2006

A minha primeira aula

Continuo numa onda de revivalismo e desta vez o que me acode à memória é a primeira vez que eu pisei numa sala de aulas no papel de professora. Aqui fica a minha versão romanceada (os nomes continuam a ser fictícios ainda que inspirados em pessoas reais).
"A campainha retine e eu, qual cãozinho de Pavlov, levanto-me automaticamente e com um ardor crescente no estômago, pego no livro do ponto e encaminho-me em passo apressado para a sala de aulas. Apesar de estar morta de medo, prefiro mil vezes encarar logo o que me espera do que estar a protelar. Desço as escadas quase a correr e saio em direcção ao bloco D, que é o sítio onde vou ter a minha primeira aula. As zonas de circulação estão repletas de alunos e enquanto eu passo pelo meio deles, sinto alguns olhares em cima de mim. À medida que me aproximo do bloco D, percebo que a idade dos alunos que se encontram nas imediações aumenta e com ela, aumentam também os olhares e os comentários à minha passagem. Sinto um nervosismo cada vez maior e só me apetece fugir dali rapidamente. Abro caminho pelo meio de um grupo de alunas esbeltas que tagarelam sem parar e encontro-me diante da porta da sala. Abro-a com a chave que trago firmemente fechada na palma da minha mão e entro. Pouso o livro do ponto, o caderno e o manual sobre a secretária e espero em pé que todos acabem de se sentar. Na verdade, o que eu diviso à minha frente é apenas uma mancha indistinta, cujos contornos flutuam de cima para baixo. Aos poucos e poucos, a ansiedade vai-me abandonando e diferentes rostos começar a apresentar linhas mais definidas. Esboço um sorriso e tento clarear a voz para me apresentar e começar a fazer a chamada. Digo «tento clarear a voz» porque a realidade é que estou rouca, o que não tem nada a ver com o nervosismo, mas sim com uma noitada no dia anterior - Bom dia! - digo para começar. Os sussurros abrandam e cerca de trinta pares de olhos fitam-me - Em primeiro lugar, peço desculpa por não conseguir falar mais alto, mas como já devem ter percebido estou rouca - soam alguns risos. Ignoro-os e continuo - Gostaria de começar por me apresentar - faço uma pequena pausa e hesito entre Amélia e Mel, mas é apenas por uma fracção de segundos - Chamo-me Mel e sou a vossa professora de Filosofia. Imediatamente se levanta um burburinho e eu decido passar rapidamente ao assunto seguinte - Vou fazer a chamada para me ir habituando aos vossos nomes.
- S'tora, como é que disse mesmo que se chamava?
Levanto os olhos da lista de fotografias dos alunos e procuro quem fez a pergunta. É um rapaz com um ar perfeitamente normal e não um adolescente de ar ameaçador, como eu temi por momentos. Decido explicar de vez o pormenor do meu nome - Todos me tratam por Mel que é o diminuitivo do meu verdadeiro nome.
- Mas qual é o seu verdadeiro nome, s'tora? - insiste o mesmo aluno.
Resolvo lançar uma cartada - Desafio-te a ti e a todos os outros a adivinhar.
Quase de imediato, começa uma algazarra com vários alunos ao mesmo tempo a arriscar vários nomes, alguns deles completamente a despropósito. Percebo que não foi a melhor táctica e levanto, tanto quanto sou capaz, a voz para me fazer ouvir - Na próxima aula apresentam-me as vossas sugestões, pode ser? Por agora, vou eu passar a conhecer os vossos nomes - começo a fazer a chamada e, pela primeira vez, desde que entrei na sala, os detalhes do rosto de cada um dos alunos surge-me com relativa precisão. Metade são rapazes e a outra metade são, obviamente, raparigas. À medida que vou chamando os nomes, vou verificando a idade de cada um deles e chego à conclusão que três ou quatro não estão assim tão distantes da minha própria idade. Termino a chamada e, finalmente, sento-me para escrever o sumário e marcar as faltas, mas só agora percebo que devia ter assinalado quem está a faltar porque, entretanto, já me esqueci de quem não respondeu à chamada. Resolvo não marcar falta nenhuma e começo sim a escrever o sumário. Reparo que a minha mão treme enquanto desenho as primeiras letras e tento, a todo o custo, disfarçar. As palavras saem-me quase indecifráveis e cheias de feias arestas.
- Qual é o sumário? - pergunta uma voz feminina.
«Que estúpida» penso eu de mim própria; estou a escrever o sumário e esqueci-me de o ditar à turma. Mais um deslize que tento contornar rapidamente - O sumário é «Apresentação e preenchimento das fichas de caderneta. Ponto parágrafo. Regras de funcionamento da aula de Filosofia. Ponto. Objectivos, conteúdos e avaliação na disciplina de Filosofia.Ponto.» - enquanto dito o sumário ouve-se o ruído das folhas e dos cadernos a serem abertos e alguns pedidos de «empresta-me uma caneta».
- Professora, não apanhei a última parte - diz um aluno.
Volto a repetir a parte final do sumário e agarro nas fichas de caderneta para começar a distribuir. Enquanto circulo pelo meio das mesas vou prestando atenção a alguns pormenores: as mochilas atiradas displicentemente para o chão, os cadernos forrados com imagens que vão desde o surf até aos Slipknot, os telemóveis topo de gama pousados em cima das carteiras. Espero que eles terminem de preencher as folhas com os seus dados pessoais e sento-me na beira de uma mesa, numa postura informal. Vejo os olhares surpreendidos de alguns alunos e uma e outra cotovelada dos elementos masculinos da turma e concluo que não foi uma boa ideia. Volto a levantar-me e percorro com o olhar as paredes pintadas de um amarelo doentio e cravejadas de mensagens do tipo «Amo-te Vanessa do 7ºB» ou então outras mais explícitas do género «Comia-te toda...»"
Hoje vou ficar por aqui mas amanhã continuo a minha aventura numa sala de aulas. Até lá!
Love and light!

sexta-feira, agosto 04, 2006

Fidel e Mao

Há pouco ouvia nas notícias as últimas sobre o estado de saúde de Fidel Castro. As últimas, é como quem diz, porque parece que ninguém sabe ao certo qual o seu actual estado de saúde. A irmã (que está exilada em Miami) afirma que as informações que tem são as fornecidas pelo regime. Ora, é esta palavrinha "regime" que me dá comichão. Até podemos conjecturar que o homem está morto...
Esta situação e a dita palavrinha lembram-me um outro regime - o regime maoísta. Já sabia alguma coisa sobre este regime mas foi ao ler "Cisnes Selvagens" que fiquei verdadeiramente horrorizada. Como é possível que apenas um homem tenha submetido milhões de chineses que estavam solenemente convencidos que a sua palavra era lei?...
Aqui fica um extracto para aguçar a curiosidade de quem ainda não conhece o livro.
" A partir de Junho de 1966, o Diário do Povo fez chover sobre o país uma série de editoriais, cada um mais estridente do que o anterior, apelando ao «estabelecimento da autoridade absoluta do Presidente Mao» e ao «afastamento de todos os diabos-bois e demónios-cobras» (inimigos da classe), e exortando o povo a seguir Mao e a juntar-se ao gigantesco empreendimento nunca antes tentado que era uma Revolução Cultural.
Na minha escola, o ensino parou completamente a partir do início de Junho, embora continuássemos a ir lá. Os altifalantes difundiam aos gritos os editoriais do Diário do Povo, e a primeira página do jornal, que tínhamos de estudar todos os dias, era muitas vezes inteiramente ocupada por uma grande fotografia de Mao. Havia uma coluna diária com citações do Grande Líder. Ainda recordo os slogans em grandes letras negras que, depois de terem sido lidos vezes sem conta nas aulas, ficaram para sempre gravados nos mais profundos recessos do meu espírito: «O Presidente Mao é o Sol vermelho dos nossos corações!» «Os pensamentos de Mao Zedong são o nosso cabo salva-vidas!» «Esmagaremos quem se opuser ao Presidente Mao!» «Pessoas de todo o mundo amam o nosso Grande Líder o Presidente Mao!» "
in Cisnes Selvagens, Jung Chang
Fiquem bem.
Love and light!

quinta-feira, agosto 03, 2006

No início... foi a escola (conclusão)

Vou hoje concluir a narrativa que comecei anteriormente. Apenas um esclarecimento: o meu verdadeiro nome não é aquele que vou utilizar. Esse fica no segredo dos deuses. Também o nome da orientadora é fictício.
"Entro a medo e volto a apresentar-me.
- Ah! É a estagiária de Filosofia que faltava! - exclama um indivíduo barbudo e olheirento.
- Devia ter-se apresentado de manhã. Estiveram cá todos os orientadores de estágio para receber os formandos - atira uma mulher, numa voz aflautada, que trabalha afincadamente num computador portátil.
- Peço imensa desculpa, mas só cheguei à pouco - desculpo-me e logo de seguida arrependo-me do meu ar excessivamente subserviente.
- Como é que te chamas? - pergunta-me o indivíduo, ao mesmo tempo que mexe e remexe em pastas e dossiers.
- Mel - sinto os olhares de ambos pousados em mim e emendo desajeitadamente - Quer dizer, o meu nome é Amélia mas todos me chamam Mel.
- Pois aconselho-te a usares o teu nome quando te apresentares aos alunos. Já sabes que os miúdos são terríveis para trocadilhos e coisas do género - aconselha a mulher.
Aceno afirmativamente com a cabeça mas interiormente digo a mim mesma que nem todos os Conselhos Executivos do mundo me obrigarão a dizer aos alunos que me chamo Amélia. Parece que já os estou a ouvir a chamarem-me «professora Amélia».
- Ora bem, aqui tens o teu horário - diz o fulano das barbas, estendendo-me uma folha - Como sabes, as aulas começam daqui a quinze dias mas até lá vão realizar-se algumas reuniões, por isso é melhor estares atenta ao placard que está na sala de professores. É verdade, também te vou dar o número de telefone da Fernanda Gomes para poderes entrar em contacto com ela.
De repente, sinto-me confusa - Desculpe, mas quem é a Fernanda Gomes?
Ele olha para mim surpreendido - A tua orientadora de estágio.
Sinto-me completamente estúpida e coro, o que me deixa ainda mais irritada. Escrevinho nas costas do horário o bendito número de telefone e saio dali o mais rapidamente possível. Já cá fora percebo que nem sequer sei o nome da pessoa que falou comigo e sinto que todas as minhas expectativas foram goradas. Não era esta a recepção que eu esperava. Contava que me acolhessem de braços aberto, que perdessem uma hora comigo a detalharem todas as informações importantes sobre a escola e no final me levassem, em visita guiada, a conhecer as instalações. Uma vez que nada disso aconteceu, dirigo-me novamente à funcionária e pergunto-lhe pela sala de professores. Ela informa-me que fica no primeiro piso e, com surpresa, noto umas escadas nas quais não reparei quando entrei pela primeira vez no átrio. A sala de professores é uma divisão ampla, repleta de armários identificados por códigos, uma zona de estar com alguns sofás e várias mesas de trabalho. Ao fundo, três secretárias alinhadas e encostadas à parede servem de apoio a três computadores e a uma impressora. Sento-me num dos sofás só para sentir como é estar num local que durante toda a minha vida de estudante me esteve vedado. Imagino como será quando houver pessoas a falar todas ao mesmo tempo, pastas, livros e risos, uma vez que de momento a sala está vazia. Lembro-me que ainda não analisei com atenção o horário que me atribuíram e resolvo fazê-lo agora, mas quase desmaio de susto quando verifico que, pelo menos, às terças, quintas e sextas-feiras começo as aulas às oito e meia. Começo logo a imaginar, com pesar, que vou ter de me deitar cedo o que me deixa mortalmente aborrecida já que sou uma noctívaga feroz. Levanto-me do sofá, suspirando, e guardo cuidadosamente a folha do horário na minha mochila. olho mais uma vez em meu redor e decido que por hoje já chega de escola."
Voltarei logo ou amanhã com mais impressões. Até lá!
Love and light!

quarta-feira, agosto 02, 2006

No início... foi a escola (cont.)

Vou continuar a narrar a minha aventura exactamente do ponto onde a deixei.
"Encosto-me a um canto do balcão e começo laboriosamente a encher todas as quadrículas de letra de imprensa e números bem desenhados. Passado um bocado, detenho-me. Escalão? Indíce? Fico sem saber se devo ou não chamar a funcionária que, entretanto, iniciou uma conversa com uma das suas colegas acerca de um casaco que comprou por uma «bagatela». Enquanto decido o que fazer, a porta range e eu olho para ver quem entra. É uma mulher nova, alta, de cabelos platinados e com um andar desembaraçado. Nos pulsos tilintam-lhe várias pulseiras de ouro. Encosta-se ao balcão, mesmo ao meu lado, e eu interrogo-me se, subitamente, fiquei invisível.
- Dona Lucinda! - chama ela.
A Dona Lucinda, que parece então ser o nome da senhora que me atende, vira-se com um grande sorriso estampado no rosto - Oh sô tora Margarida! Tenho mesmo aqui a listagem de alunos que me pediu - e prontamente vasculha, na imensidão de papéis que adorna a sua secretária, a tal lista. A sô tora Margarida, minha futura colega, tamborila com os dedos no balcão enquanto aguarda. Eu observo-a, subrepticiamente, e penso que nunca terei aquela figura esbelta, nem aqueles cabelos impecavelmente lisos, nem aquelas unhas bem tratadas. Ao pé dela sinto-me desleixada e desgrenhada. Volto a olhar para as minhas Levis e ponho em dúvida se devo ou não trocar as minhas roupas.
- Aqui está, sô tora! - exclama triunfantemente a Dona Lucinda, agitando um papel - Credo, é tanta papelada que uma pessoa até se perde.
- Muito obrigada - agradece a outra, pegando na listagem. Roda nos seus saltos altos e abre a irritante porta que volta a ranger de uma forma desagradável.
Regresso aos meus próprios papéis e lembro-me que não sei o que é escalão e índice - Por favor - chamo - não sei como preencher esta parte.
A Dona Lucinda abeira-se do vidro e eu aponto-lhe a minha dúvida - Ah! Pode deixar em branco que depois nós preenchemos.
Apetece-me perguntar o que é efectivamente o escalão e o índice mas decido não fazê-lo. Acabo de completar o resto e entrego tudo, empurrando delicadamente os papéis por baixo do vidro. Ouço atentamente mais algumas explicações sobre documentos que preciso de entregar e no final é-me indicado o Conselho Executivo como sendo o meu próximo destino. Estranho a designação "Conselho Executivo" porque, se bem me lembro, no meu tempo, chamava-se Conselho Directivo. Marcho obedientemente rumo à minha nova paragem e encontro mais uma porta resmungona que abre para um átrio quadrado. Num ápice, diviso vários pormenores: ao fundo, uma secretária com uma funcionária; sobre o lado direito, uma porta fechada com a inscrição "Reprografia", seguida de uma outra sem nenhuma placa informativa. Do lado esquerdo, uma porta entreaberta - o Conselho Executivo - e logo de seguida uma "Sala de Reuniões". Espalhados pelo meio do átrio existem vários painéis e encostados às paredes alguns bancos corridos de tabuinhas de madeira. Há algumas vitrinas vestidas de listas que um grupo escasso de alunos (presumo eu) se entretém a observar. Passo sem ser notada e abeiro-me da funcionária começando por dizer quem sou antes que também ela me confunda com uma aluna. Ela diz-me que eu posso entrar e acrescenta que hoje tem sido um corropio com os novos professores a apresentarem-se. Disfarçadamente, olho para um grande relógio que pende de uma das paredes e que marca dezasseis horas e doze minutos e percebo a razão pela qual naquele momento sou a única a apresentar-me; todos os outros devem ter ido logo pela manhãxinha quando eu estava ainda a dormir."
A minha ida ao executivo fica para depois.
Love and light!

No início...foi a escola

As férias são, muitas vezes, uma oportunidade para relembrarmos episódios da nossa vida. Penso que isso acontece porque é uma altura em que há mais disponibilidade de espírito para recordações, sonhos e devaneios. Lembro-me da primeira vez que entrei numa escola no papel de professora. Aqui ficam aquelas que foram as minhas primeiras impressões ainda que numa versão romanceada.
"Um de Setembro. Entro hesitante, procurando passar despercebida. Olho de fugida para os edifícios que parecem caixotes não só pelo seu formato, mas também pela sua aparência degradada, com a tinta a estalar e rabiscos que tentam desesperadamente parecer-se com grafittis. Tento orientar-me, procurando os serviços administrativos e caminho de uma forma mais resoluta em direcção à seta vermelha com a informação. Abro uma porta pesada que chia ameaçadoramente e acho-me diante de uma espécie de balcão com vários guichets. Ninguém dá ou parece dar pela minha presença e eu fico à espera que alguém se digne a atender-me. Deixo passar os olhos pelos avisos, informações, decretos-lei que povoam as paredes e sinto-me baralhada com uma tão grande desordem visual.
- Tu o que queres, menina?
Assusto-me com a voz que subitamente corta o silêncio e olho à minha volta. Não há ninguém a não ser eu. Deve ser a mim que a voz se dirige. Começo titubeante - Boa tarde! Eu vinha apresentar-me...
A dona da voz, uma senhora bem arranjada, de rosto emoldurado por uma profusão de madeixas acobreadas, fica momentaneamente confusa mas logo assume um tom mais profissional - É professora? Queira desculpar, pensei que fosse uma aluna.
Esboço um sorriso e penso na minha mãe. «Tens que comprar umas roupas adequadas à tua nova situação. Agora és uma professora. Tens que andar chique.» Nem quero imaginar o que considera a minha mãe ser uma pessoa chique. Certamente não será a minha habitual indumentária constituida maioritariamente por calças de ganga. Ela também acha que tenho que comprar uma pasta, daquelas que usam os executivos, ideia à qual eu torço veementemente o nariz. O meu pai coadjuva, acrescentando «e uma gabardina, para os dias de chuva.» Tento explicar, em vão, que vou apenas dar aulas e que hoje em dia já não há essa imagem estereotipada do professor, mas não adianta argumentar com a minha mãe. Quando ela enfia uma ideia na cabeça não há forma de demovê-la. Agora, perante aquela senhora que a minha mãe certamente consideraria «muito chique», equaciono a possibilidade de renovar o meu roupeiro com as tais roupas adequadas à minha nova situação. Olho disfarçadamente para as minhas Levis, desfiadas nos bolsos, parecendo velhas mas que são novas e me custaram alguns euros e penso que prefiro gastar dinheiro a comprar jeans que parecem usados a comprar um fato completo.
- É estagiária, senhora doutora? - na verdade, ela não diz «senhora doutora» mas sim «sô tora» e, de repente, sinto-me importante. É a primeira vez que que alguém me chama assim e imagino logo que daqui para a frente, na mercearia, no cabeleireiro, me vão passar a tratar assim. Respondo-lhe afirmativamente e ela vira as costas e dirige-se a um armário metálico. Vislumbro resmas e resmas de impressos e automaticamente abro a mochila em busca de uma caneta, adivinhando já o que me espera. A senhora volta, carregada de papéis, e fá-los deslizar por baixo do vidro que nos separa - A senhora, por favor, vá preenchendo isto."
Bem, tive que preencher tanta papelada que vou fazer uma pausa. Até já!
Love and light!